que revogava Lei dos Compromissos
Garrote às funções do Estado
Permanece inalterada a «Lei dos Compromissos» que asfixia serviços públicos e os impede do cumprimento cabal das suas funções, assim favorecendo negócios privados que se instalam e florescem onde o Estado falha.
É o subfinanciar crónico dos serviços públicos que explica atrasos nos pagamentos
LUSA
Este é o quadro que se mantém depois de gorada na semana transacta a tentativa do PCP de revogar a lei dos compromissos para «devolver instrumentos de gestão aos serviços públicos e para que a gestão pública seja feita da melhor maneira possível e não contra os interesses das populações». Essa era a aposta do seu projecto de lei que, tal como outro do BE de igual sentido, foi chumbado sexta-feira passada pelos votos da maioria PSD/CDS-PP, depois de na antevéspera, 6, ter sido sujeito a debate em plenário.
Quase um ano depois da entrada em vigor da Lei dos Compromissos, comprovados foram os receios expressos pelo PCP desde a primeira hora quanto às intenções do Governo de criar «constrangimentos burocráticos e administrativos à execução da despesa orçamental e à assumpção de compromissos financeiros por parte das entidades públicas, limitando ou mesmo impedindo o cumprimento das suas funções».
Essa a certeza transmitida pelo deputado comunista Paulo Sá da tribuna da AR na apresentação do diploma da sua bancada e no decorrer da qual demonstrou com variados exemplos como esta lei constitui «mais uma peça na brutal ofensiva contra as funções sociais do Estado e os serviços públicos levada a cabo pelo Governo no quadro do pacto de agressão da troika.
Omitir causas
Que o «exemplo do passado assim o obriga», justificou em defesa da lei o deputado Nuno Serra, do PSD, numa alusão aos pagamentos em atraso e ao endividamento, enquanto o seu colega de bancada, Jorge Paulo Oliveira, não poupou elogios ao texto legislativo valorizando o que disse ser o seu contributo para «aumentar o grau de transparência, previsibilidade e racionalidade de gestão da coisa pública», a par de um «aumento do grau de controlo orçamental».
«Visão simplista e deturpadora da realidade» esta a que atribui a «origem do fenómeno dos pagamentos em atraso a uma mera aplicação deficiente dos procedimentos de registo e controlo de compromissos», concluíra antes Paulo Sá sobre a posição dos partidos do Governo, a quem acusou de omitirem aquela que é a causa primeira dos pagamentos em atraso: o subfinanciamento crónico a que são sujeitos os serviços do Estado.
E sem deixar de reconhecer que estes atrasos são um problema que «atingiu uma dimensão alarmante», com efeitos negativos sobre a vida de cidadãos e empresas, pôs o dedo na ferida ao sublinhar que a sua resolução passa por um «financiamento adequado das entidades públicas» e não, como faz o Governo, «pela imposição de inaceitáveis constrangimentos burocráticos e administrativos à realização da despesa».
Empurrar para a privatização
O líder parlamentar do PCP, intervindo no debate, estabeleceu um paralelismo entre a Lei dos Compromissos e a Lei de Enquadramento Orçamental, dizendo que a primeira «é uma espécie de versão antecipada da alteração» a que a segunda foi sujeita nesse mesmo dia na AR. E porquê? Porque «assenta na ideia de que antes das necessidades das pessoas vem o garrote orçamental». Aperto este que todavia não é para tudo nem para todos, pois, observou, «não se conhece nenhuma Lei dos Compromissos que cabimente trimestralmente os juros da dívida pública à banca, aos senhores Ulrich e aos seus bancos que continuam a aforrar com o dinheiro do Estado, com o dinheiros dos portugueses». Por isso não teve dúvidas em concluir que «esta lei o que visa é acompanhar uma redução drástica do financiamento dos serviços públicos com uma contingência na sua gestão que não responde àquilo que são as suas funções», sendo essa a razão por que temos «serviços públicos degradados e o empurrar para a privatização das funções que desempenham».
Exemplificando, lembrou que no SNS são conhecidos quase semanalmente casos de ruptura no fornecimento de medicamentos, de materiais indispensáveis para o funcionamento dos serviços, para as cirurgias, de adiamento de cirurgias que não são de ambulatório (as mais atrasadas e as mais graves).
«Hoje os gestores dos hospitais – se forem sérios e a maioria é – têm que optar entre duas questões fundamentais: ou incorrem no crime de violar a lei dos compromissos ou incorrem no crime de deixar por tratar pessoas que precisam de tratamento. É esse o dilema que os senhores estão a impor aos gestores dos hospitais públicos do SNS», acusou, apontando o dedo às bancadas da maioria.
E no que toca às autarquias, o que está em causa é uma «centralização de poder no Ministério das Finanças, poder que é de direito das populações e das autarquias que elegeram», considerou o líder parlamentar do PCP.
Mentira descarada
Ter um bocadinho de pudor, foi esse o conselho que Bernardino Soares deu ao deputado do PS João Galamba, que interviera no debate a desancar na lei e a deixar no ar a ideia de que era na sua bancada que estava o seu mais tenaz e consequente opositor. Desmontando a trampolinice e repondo a verdade, Bernardino Soares lembrou ao deputado do PS que, descontando a retórica, a verdade é que bancada deste não submetera nenhum diploma sobre a matéria a debate, pelo que a sua «oposição à Lei dos Compromissos ficara na gaveta e pelo discurso».
E corrigiu as afirmações por aquele proferidas – chegou a acusar as bancadas do PCP e do BE de aceitarem os princípios da lei dos compromissos –, lembrando que quem deu o benefício da dúvida à Lei dos Compromissos foi o PS, porque se absteve na generalidade e quis fazer melhorias, enquanto o PCP votou contra na generalidade e na votação final e «disse sempre que nunca aceitaria este tipo de lei».