...e aos crimes económicos disse nada
O ministro da Economia foi ao Parlamento sexta-feira, 11, falar de «fomento industrial», de «reindustrialização», na aposta de o País «voltar a ter indústria forte e musculada».
A Cimpor foi alienada de forma criminosa por este Governo
Erigiu o tema à qualidade de «projecto nacional». Disse ter «reformas» em curso e «planos» para o futuro. Falou de projectos na «aprendizagem», na «formação», no «financiamento». Chegou a admitir que foi um erro a deslocalização de empresas. E expressou que «o importante é criar as condições para que o que aconteceu em Portugal nos últimos anos acabe de uma vez por todas».
Percebeu-se que não quis falar do passado, aprofundar as razões que nos trouxeram aqui, as responsabilidades dos decisores políticos e das opções por estes tomadas. Foram muitas as generalidades que preencheram o seu discurso, largo o enunciado de intenções, pouca a substância quando se tratou de descer ao concreto.
Por isso o deputado comunista José Lourenço reagiu à resposta que lhe fora dada por Álvaro Santo Pereira resumindo-a a meras «palavras... palavras...», como quem diz, pura retórica, sem inserção em qualquer visão estratégica e integrada no quadro de uma política de desenvolvimento nacional.
O deputado do PCP provara momentos antes, aliás, como nos vários ramos do sector industrial não faltam os exemplos de «abandono, de recessão, de regressão». Ontem como hoje.
Debruçou-se em concreto sobre o caso da Cimpor, empresa que em sua opinião foi vítima, tal como o País, do que classificou de «crime económico». Com efeito, aquela que era a maior empresa industrial portuguesa e um dos dez maiores grupos cimenteiros mundiais, com presença em 12 países, com mais de 80% do seu Valor Anual de Negócios (VAN) gerado fora de Portugal, exportando parte da produção nacional, por vontade expressa deste Governo, foi alienada o ano passado para ir parar às mãos da Camargo Correia, que ficou com quase 95% do seu capital social (por venda da participação detida pela CGD na empresa, imposta pelo Governo em Outubro passado).
Ora sucede que a Camargo Correia, como lembrou José Lourenço, «decapitou literalmente a Cimpor» ao demitir a anterior comissão executiva», convidando paralelamente grande parte dos seus quadros superiores à rescisão (fala-se em 60 chefias que já terão rescindido o contrato), além de ter nomeado uma nova administração com quadros da Camargo Correia vindos directamente da Argentina.
«Num ápice, a Cimpor passou de um dos maiores grupos cimenteiros mundiais para uma sucursal de um grande grupo económico brasileiro e o seu centro de decisão passou de Lisboa para S. Paulo», sublinhou, indignado, o deputado do PCP, advertindo que depois das chefias deverão seguir-se os quadros técnicos (fundamentalmente engenheiros, que prestavam a partir de Lisboa apoio às outras empresas do grupo espalhadas pelo mundo), falando-se inclusivamente já na «possibilidade de algumas das suas fábricas em Portugal poderem encerrar».
«Quando fala de industrialização, onde é que encaixa este autêntico crime económico que foi a venda da Cimpor?», foi a pergunta deixada por José Lourenço ao titular da pasta da Economia, depois de observar como aquele que era porventura «o maior exemplo de industrialização, de internacionalização e exportação» fora assim alienado, de uma penada, «de forma criminosa por este Governo e com o beneplácito do ministro da Economia».
Espantosa foi a resposta de Santos Pereira que, perante factos de tanta gravidade, adiantou apenas que «está em curso uma reestruturação de muitas empresas» e que a «Cimpor é certamente uma delas».
Assobiar para o lado
A reter do debate ficou ainda a ausência de esclarecimento do ministro Santos Pereira às questões suscitadas pelo deputado comunista Bruno Dias, que mostrara o desacerto entre os proclamados desígnios de reindustrialização e o sentido destruidor da política actual.
O deputado do PCP deu o exemplo concreto da EMEF, a indústria portuguesa de manutenção ferroviária que hoje ocupa um lugar de topo a nível mundial em matéria de inovação. Ora acontece que também a unidade de inovação da EMEF vai ser alienada e vendida aos ingleses, o que para Bruno Dias é «inexplicável», dado o «potencial tremendo» e a «capacidade tecnológica» da empresa em matéria de inovação.
«Quando o Governo fala em reindustrializar, deveria antes pensar em não destruir», sustentou Bruno Dias, que levou ainda a debate o caso do sector automóvel no distrito de Setúbal, não apenas na Autoeuropa mas no Parque da Autoeuropa, onde, do seu ponto de vista, está colocada uma «situação de asfixia» e de «ameaça aos trabalhadores», que exigiria uma resposta concreta do Governo, essa que não tem havido.
«O que é que está a ser feito?, insistiu o deputado do PCP, sem obter uma resposta capaz. O que o levou, depois de uma chamada de atenção para as tremendas dificuldades das PME, numa situação de «corda ao pescoço», a considerar «politicamente significativo» que o titular da pasta da Economia não tenha dito uma palavra sobre o crime económico da Cimpor, sobre a EMEF ou o Parque Industrial da Auroeuropa.