O Natal dos Kruges

Henri

Passos Coelho disse este fim-de-semana em Fátima, num congresso dos «jotinhas», que o presidente da Colômbia lhe desejara, numa visita no meio do ano, que «na Constituição constasse um novo direito, que não é menos importante que o direito à Saúde e à Segurança Social: o direito de não ter dívida».

Recordou o orador que este original presidente foi ministro de qualquer coisa por volta de 2001, numa Colômbia com «um desequilíbrio externo muito grave, em algumas dimensões parecido com o nosso», pressupondo-se que Coelho sugere que o tal ministro-presidente terá resolvido «o desequilíbrio» com o «direito de não ter dívida».

Apesar de o nosso Primeiro ter sido licenciado em Economia, aos 37 anos, na universidade Lusíada (a tal que também «licenciou» o seu amigo Miguel Relvas num único ano e dispensando-o da maioria das cadeiras), visivelmente não estudou Karl Marx, ignorância fatal que lhe terá sonegado os fundamentos, objectivos e leis essenciais do próprio capitalismo, ele mesmo um utente minucioso das análises revolucionárias do grande filósofo alemão, aliás consideradas ferramentas indispensáveis à gestão capitalista moderna.

Para o situar na «dívida zero» que partilha com o colombiano, respiguemos-lhe frases de um excerto de O Capital publicado no Avante! de 29/11/2012, sob o título Marx sobre a dívida pública.

«A dívida do Estado, a alienação do Estado – tanto despótico, como constitucional ou republicano» diz Marx, «marcou o seu selo na era capitalista. A única parte da chamada riqueza nacional que realmente está na posse colectiva dos povos modernos é – a sua dívida de Estado. Daí, muito consequentemente, a doutrina moderna de que um povo se torna tanto mais rico quanto mais profundamente se endividar».

Olhe-se para o endividamento abissal do império britânico no começo do estertor (que desembocaria na brutal I Guerra Mundial... mas também na Grande Revolução de Outubro), ou o não menos abissal endividamento dos EUA a partir do momento em que se impôs como a grande potência capitalista no pós-II Guerra Mundial.

E Marx diz mais. «A dívida pública tornou-se uma das mais enérgicas alavancas de acumulação original (…) Na realidade, os credores do Estado não dão nada, pois a soma emprestada é transformada em títulos de dívida públicos facilmente negociáveis que, nas mãos deles [os credores], continuam a funcionar totalmente como se fossem dinheiro sonante». Pior: «A dívida do Estado impulsionou as sociedades por acções, o comércio com títulos negociáveis de toda a espécie, a agiotagem numa palavra: o jogo da bolsa e a moderna bancocracia».

Como se vê, bem pode Coelho e o seu amigo colombiano defenderem a «dívida zero». É que a «dívida pública», como demonstra Marx, serve apenas para o grande capital especular à vara larga e impor aos povos dívidas leoninas e impagáveis que, ainda por cima, reutilizam como dinheiro vivo donde retiram mais insondáveis lucros.



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