Acreditar no futuro
O PCP demonstrou no Parlamento que há alternativa à política de direita conduzida há décadas por PS, PSD e CDS-PP e que os portugueses não estão condenados ao empobrecimento.
Governo apenas tem para dar ao País recessão e desemprego
Este é o mais importante dado a reter da interpelação do PCP ao Governo realizada faz hoje oito dias com o objectivo central de mostrar que há um corpo coerente de propostas, medidas e soluções capaz de consubstanciar uma política alternativa que liberte o País das amarras que o prendem a este rumo de desastre económico e social.
Logo a abrir o debate, contestando essa batida ideia de que não há alternativa à actual política, o deputado comunista Agostinho Lopes considerou que os seus defensores ao negá-la o que procuram é desresponsabilizar os sucessivos governos pelo estado a que o País chegou.
Mas não é apenas esta a «utilidade política e ideológica» desejada pelos que negam a existência de alternativa. Trata-se, ainda, de procurar garantir a «sobrevivência da pseudo alternativa do PS» e, por outro lado, de tentar «afirmar a inevitabilidade da política de desastre em curso».
Foram também linhas de força como estas que perpassaram os discursos de passa culpas entre os partidos da maioria e o PS. Foi assim desde logo com o ministro Santos Pereira que na intervenção inicial, depois de dizer cobras e lagartos dos «anos de festa da governação PS» e dos «disparates do passado», proclamou em inusitado tom comicieiro que este Governo «teve coragem de encetar as reformas que vão resolver os problemas da competitividade». E foi assim também com o ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, que a finalizar o debate voltou a jogar com o medo em favor das «inevitabilidades» – nós ou o caos –, dizendo que «sem ajuda [da troika] não há dinheiro para pagar salários e pensões, pagar hospitais e escolas, pagar juros da dívida». E, dramatizando a chantagem, afirmou que «desistir agora não é opção, é conduzir o País ao fracasso, à bancarrota, ao isolamento».
Rasto de destruição
Ora o desafio que está colocado ao País é precisamente o contrário, como tratou de evidenciar a bancada comunista, face a uma política que é de «submissão acéfala à troika, de recessão, desemprego e espoliação dos portugueses».
Política que surge em linha com as mesmíssimas orientações assumidas pelos governos nas últimas décadas, das quais resultou a destruição do aparelho produtivo nacional, a desindustrialização, o abandono da agricultura, o abate da frota pesqueira, como bem lembrou o deputado comunista António Filipe.
Políticas conduzidas por governos PS, PSD e CDS-PP que, acusou, «em nome de um euro-entusiasmo irresponsável, lançaram o País nos braços de uma moeda única baseada em critérios de convergência incumpríveis e tornaram o País refém dos interesses financeiros que controlam as decisões de uma União Europeia ultra-liberal».
Os mesmos partidos que mais recentemente, prosseguiu, em nome de alegadas «inevitabilidades», «traíram os interesses nacionais nos braços da troika, e aceitaram levar à prática um programa de humilhação nacional e de terrorismo social, assente na recessão forçada, no aumento do desemprego, na sobre-exploração dos trabalhadores, na venda ao desbarato do património público, na espoliação fiscal dos trabalhadores, dos reformados e das micro e pequenas empresas (como acontece com o sector da restauração e com as farmácias), no empobrecimento, na desprotecção social, numa palavra, num programa de agressão ao povo português».
Receita falhada
Foi esta descrição fiel da realidade que os deputados do PCP levaram há uma semana a plenário, num autêntico libelo acusatório contra a política de direita e seus executores, designadamente o actual Governo e os partidos que o compõem, hoje, como se viu no debate, claramente já sem o fôlego que se lhes viu em defesa de uma receita de austeridade, que falhou sem apelo nem agravo.
Motivação, aparentemente, tiveram apenas quando se tratou de atacar os partidos da oposição, em particular o PCP. Respostas às questões, essas, não as deram. Triste testemunho dessa postura deu o titular da pasta da Economia, incapaz que foi de indicar uma ideia para o crescimento do País, sem o qual, sabe-se, é impossível sair do buraco.
Caminho alternativo
A este quadro opôs a bancada comunista a reiterada convicção de que há uma política alternativa, ancorada, desde logo, na renegociação da dívida externa. António Filipe erigiu essa renegociação à condição de «imperativo nacional», estabelecendo prazos, juros e montantes que sejam viáveis e que «sejam compatíveis com objectivos de crescimento económico que permitam ao nosso País pagar as suas dívidas e garantir uma situação social digna ao povo português».
Uma política alternativa que tenha simultaneamente como vector essencial a valorização do trabalho e dos trabalhadores, bem como a melhoria das condições salariais, possibilitando maior poder de compra e consequente recuperação das empresas nacionais por via da dinamização do mercado interno.
Política alternativa que passa, foi ainda António Filipe a sublinhá-lo, pela criação de condições de viabilidade para as empresas, «através da redução dos custos de contexto não salariais, pelo incentivo à produção nacional, pela garantia de financiamento bancário a um preço justo».
A salvaguarda das funções sociais do Estado, a rentabilização do património empresarial público e sua colocação ao serviço dos interesses nacionais, a par de uma política fiscal justa e progressiva, constituem outras tantas linhas de acção da política alternativa advogada pelo PCP, que defende que «a superação da crise exige mais e melhor Estado e não aquilo que nos pretendem impor que é menos e pior Estado».
Vender o País a retalho
Miguel Tiago trouxe para o debate um estudo do LNEC sobre o potencial dos recursos geológicos e mineiros do País, segundo o qual as reservas identificadas equivalem a um valor estimado entre um e dois PIB nacionais.
Daí a pergunta muito concreta ao ministro Santos Pereira: «como pode o Governo colocar a saque, entregar quase de borla esses recursos e essa riqueza a empresas estrangeiras, curiosamente algumas da quais canadianas»?
«Como se pode tolerar que o Governo ao invés de apostar no aproveitamento desta riqueza para o País, investindo e até modernizando no plano industrial, a entregue de mão beijada a estes grupos, submetendo inclusivamente a estratégia nacional à estratégia destes grupos económicos?», perguntou o deputado do PCP, que considerou ainda inaceitável que o Governo abdique de criar uma fileira no nosso País (da extracção à indústria transformadora) para valorizar a integridade dessas recursos e dessa riqueza, que poderia representar uma «grande alavanca para o desenvolvimento do País».
Mas o que do ponto de vista do PCP é o saque e a entrega ao estrangeiro desta riqueza nacional, para o ministro Santos Pereira é uma «aposta» do Governo. Disse-o este, com todas as letras, garantindo que os recursos geológicos é a área que «mais tem acarinhado». E a prova, acrescentou, visivelmente contente, está nos cem contratos já assinados para a exploração desses nossos recursos mineiros.
Despedimentos no Estado
O ataque cerrado do Governo aos trabalhadores da administração pública e aos serviços públicos foi também alvo de reflexão no decurso do debate, com a deputada comunista Lurdes Ribeiro a pôr em evidência a incompatibilidade entre uma administração pública de qualidade e moderna – como hipocritamente o Governo diz querer ter – e a retirada de direitos aos trabalhadores em variados domínios, como o direito à remuneração do trabalho extraordinário.
Lurdes Ribeiro, sobre esta questão, recordou ao ministro Santos Pereira o que este escrevera em livro pouco antes de exercer as suas actuais funções. Nele se pode ler a dado passo, observou a parlamentar do PCP, que «uma verdadeira reforma da administração pública terá de melhorar o serviço público (...) terá de incentivar a auto-estima dos funcionários públicos (…) não poderá ser encarada como mera poupança de euros e de despesa pública mas sim como oportunidade para melhorar a eficiência do Estado».
Assim sendo, perguntou, como é que isto se compatibiliza com os despedimentos anunciados para a administração pública? Um número que continua por revelar, não obstante a insistência de Lurdes Ribeiro para que o ministro desfizesse dúvidas, coisa que este não fez.
Economia afunda
Honório Novo considerou espantoso que o ministro Santos Pereira tenha afirmado na antevéspera do debate que «sem crescimento económico não conseguiremos pagar a dívida de Portugal». Pela razão simples de que essa é a afirmação que o PCP não se tem cansado de repetir.
E lembrou a este respeito que só este ano já encerraram 14 mil empresas, que o PIB em 2013 vai ser mais ou menos igual ao de 2001, e que – também fruto das políticas dos sucessivos PEC e da troika – Portugal vai entrar no terceiro ano consecutivo de recessão económica, não sendo possível antever o futuro.
Por isso as perguntas que dirigiu ao titular da pasta da Economia, nenhuma das quais viria a obter resposta.
Desde logo a de saber como se compatibiliza com o crescimento económico e com o pagamento da dívida o que chamou de «maior assalto fiscal da história do País» e que em sua opinião penaliza quem trabalha, os reformados, os pequenos empresários, além de «aniquilar o poder de compra dos portugueses».
«Como se compatibiliza com o crescimento económico e com o pagamento da dívida a manutenção em 23% da taxa do IVA na restauração, a desagregação dos serviços públicos e o despedimento de milhares de funcionários públicos, o desinvestimento generalizado incluindo na saúde, na educação e na formação dos portugueses?», insistiu em perguntar Honório Novo.
O próprio Orçamento do Estado é de resto o maior testemunho dessa incompatibilidade com o crescimento económico e o pagamento da dívida, segundo o deputado do PCP, que classificou mesmo o documento um caso de «insanidade».
Agricultura de rastos
Ao debate veio também a ministra da Agricultura, que fez uma intervenção longa mas que de agricultura falou pouco, como observou o deputado comunista Agostinho Lopes, que não deixou de expressar a sua perplexidade pelo facto de, por exemplo, nas contrapartidas nacionais para o PRODER o Governo ter feito um corte no OE de 80 milhões de euros.
Muito grave na opinião do PCP é também o que está a acontecer em matéria de sanidade animal e sanidade vegetal, levantando «problemas sérios de segurança alimentar e produção agrícola». O mesmo em relação às Organizações de Produtores Pecuários (OPP), em que o Governo, depois de tudo o que disse, está em falta com 50 por cento das transferências necessárias para aquelas estruturas de produtores.
Inconcebível para Agostinho Lopes é ainda que o «partido dos contribuintes e da lavoura», como ironicamente chamou ao CDS-PP, tenha criado o IVA para actividades dos agricultores que há muitos anos estavam isentas.
Duas caras
O deputado comunista João Ramos, por seu lado, mostrou o fosso existente entre o que Assumpção Cristas disse como deputada, na oposição, e o que diz hoje, no Governo. Uma mão cheia de incoerências, como tratou de demonstrar. É o caso da valorização que dizia conferir à pasta da Agricultura, afiançando que por si só justificaria um Ministério; chegado ao Governo, a conversa é outra e mete no mesmo saco uma amálgama de áreas, agricultura e ambiente, habitação, ordenamento do território e poder local.
Longe vão os tempos em que defendia também um plano de emergência para o sector leiteiro, assinalou João Ramos, frisando que passados 16 meses o custo dos factores de produção animal não pára de aumentar e o preço do leite ao produtor não pára de baixar.
A indignação que o CDS-PP dizia ter com a asfixia da grande distribuição aos agricultores foi também trazida para primeiro plano e posta em contraste com o que foi feito neste quase ano e meio de governação. «A montanha pariu um rato», assinalou, referindo-se ao resultado de 11 meses de trabalho da estrutura criada para estudar a intervenção nesta matéria.
Esquivando-se às questões concretas que lhe foram colocadas, Assumpção Cristas cingiu-se na resposta a proclamações do tipo «a agricultura está viva e dinâmica», a chavões do género «o Governo não se desvia um milímetro do que está no programa em matéria de agricultura» ou ainda a profissões de fé como esta: «teremos auto-suficiência alimentar em 2020».
OE para 2013
Tratar mal as pessoas e o País
O difícil é encontrar já adjectivos que apropriadamente definam em toda a sua extensão os pontos negros do OE para 2013. «Assalto fiscal nunca antes ocorrido», particularmente no IRS, assim o caracterizou, parcelarmente, o deputado Agostinho Lopes, não menos crítico por nele constar a proposta que apelidou de «monstruoso despedimento colectivo» nos trabalhadores da administração central, regional e local, bem como de trabalhadores das empresas públicas de transportes com contratos a termo.
Alvo de severa crítica é também a «brutal redução de despesas em funções sociais e nas prestações sociais», a par de um «novo roubo aos reformados e pensionistas».
Desmentindo a tese da equidade dos sacrifícios, o OE, para Agostinho Lopes, traduz ainda uma «iníqua brutalidade», com penalização, mais uma vez, fundamentalmente, dos trabalhadores e reformados, «seja no aumento da carga fiscal seja por cortes nas despesas sociais, atingindo-os duplamente».
Orçamento do Estado que é, noutro plano ainda, de aprofundamento da recessão, com o aumento das falências de micro, pequenas e médias empresas.
Trata-se, em suma, sem novidade, de mais um passo no quadro das opções assumidas por PS, PSD e CDS-PP desde 2010 em que, como sublinhou Agostinho Lopes, «à aplicação de uma dose de austeridade se segue uma dose reforçada de austeridade, num círculo vicioso e sem saída».