Foram vocês que pediram?

João Frazão

«Juro, por minha honra,… defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa». Este é o mais importante conteúdo do juramento solene que o cidadão mais votado nas eleições para a Presidência da República tem que fazer no acto de empossamento de funções, perante a Assembleia da Republica, representante do povo português. Assim fizeram todos os presidentes da República desde o 25 de Abril.

Não está na nossa tradição jurar em nome de Deus, ou apelar à ajuda divina, para o cumprimento de tão espinhosa missão. Ainda bem, pois não desejamos a tais personagens a angústia de pensarem que poderiam arder nas profundezas do inferno, por mandarem às malvas o dito juramento, mal assentam na cadeira presidencial.

Vem isto a propósito da justificação dada por Cavaco Silva para não ter questionado a inconstitucionalidade do Orçamento do Estado, no que ao roubo do subsídio de férias e de natal diz respeito.

Cavaco justificou essa opção com o perigo de o País não ter Orçamento aprovado a tempo, num quadro de vigência do Pacto de Agressão, a que ele dá o nome de memorando de entendimento.

Ora, e tendo presente o muito que já está dito sobre esta matéria, é necessário não deixar de dizer que o juramento de Cavaco Silva é absolutamente claro e entendível, até para este Presidente da República. Ele tem que fazer cumprir a Constituição. Não o fez.

Mas é também necessário chamar hoje à memória a magistratura de influência de que Cavaco tanto se vangloriou na última campanha eleitoral. É que, recordemos, Cavaco soube desta medida meses antes do Orçamento ser aprovado. E poderia ter dito em público ou em privado, passando a responsabilidade para o Governo, que não promulgaria o Orçamento com essas normas inconstitucionais. Não o fez, porque não quis!

Mas é também necessário lembrar que nesta fotografia – em que Cavaco quer fazer-se passar por aprisionado, tentando esconder o seu real compromisso, apoio e adesão às políticas constantes do pacto de agressão – outros há que não ficam propriamente bonitos.

O texto do pedido assinado por deputados do PS e pelo BE fala por si. Reza assim, «...não poderia ter-se optado por uma medida que sacrifica intoleravelmente um número restrito de pessoas, devendo procurar-se uma que atingisse menos intoleravelmente um número mais alargado...». Menos intoleravelmente? Ouvidas as palavras de Passos Coelho, sempre à procura de alargar e endurecer a exploração e o empobrecimento, bem se poderia perguntar, foram vocês que pediram? Aí têm!



Mais artigos de: Opinião

Uns piores do que outros

Afirma o primeiro-ministro que as culpas da situação dramática a que o País chegou são dos anteriores governos do PS. Tal afirmação, que está a meio caminho de ser verdadeira, está a igual distância de ser falsa - e é bem certo que ela foi...

Mistérios do Raton

O recente acórdão constitucional constituirá, pelos vários mistérios que encerra e por algumas certezas que desvenda, um caso de obrigatória investigação. Em suma, a douta coisa, por esta síntese menos rendilhada mas mais acessível à...

Os bandeirinhas

Há um adorno que, pelos vistos, se tornou obrigatório no trajar dos actuais governantes: a bandeira nacional em miniatura e ostentada na ombreira de todos os membros do Governo, à americana (tinha de ser...) e à parolo (o que o finíssimo senso destes protagonistas não descortinou...

O Tribunal (in)Constitucional

A decisão do Tribunal Constitucional há uma semana atrás, considerando inconstitucionais os cortes dos subsídios de férias e de Natal dos trabalhadores da Administração Pública, tem inegável importância política e social. Para milhares de trabalhadores, reformados e aposentados esta decisão veio ao encontro do seu direito à remuneração e à reforma ou pensão, que o Governo visou retirar, provavelmente de forma definitiva.

A independência da Argélia

Passam 50 anos sobre a data da proclamação, em 5 de Julho de 1962, da independência da Argélia. Trata-se de um acontecimento de alcance histórico que é importante assinalar, lembrando o que a revolução argelina, uma revolução nacional libertadora de...