Crise para durar
O propalado acordo na cimeira da Zona Euro sobre a possibilidade de recapitalização directa da banca e a compra de dívida dos Estados através do fundo europeu foi a moeda de troca para o desbloqueamento do pacto orçamental.
Pacto orçamental eterniza austeridade e crise
A Alemanha, que até aqui sempre recusou a mutualização da dívida e impunha que os Estados se responsabilizassem pela recapitalização dos seus bancos, foi obrigada a ceder parcialmente às exigências da Espanha e da Itália, prometendo libertar estes países, pelo menos na aparência, da tutela da troika.
Na verdade, os compromissos assumidos, na madrugada de dia 29, são vagos, implicam condições a negociar e dependem de alterações maiores, como a criação de uma união bancária e de uma união fiscal, projectos cuja concretização não se anuncia fácil ou linear.
Deste modo, apesar da propaganda para iludir os povos, por enquanto tudo continua como dantes, e eventuais alterações futuras ficarão sujeitas ao princípio geral de que «não há almoços grátis», como explicitou a chanceler germânica: «Mantemos totalmente o nosso esquema de empréstimo, contrapartida, condicionalidade e controlo».
Assim, só depois da criação de um mecanismo único de supervisão bancária tutelado pelo Banco Central Europeu, os fundos de regaste poderão ser utilizados para recapitalizar directamente os bancos da eurozona. Isto significa que os 100 mil milhões de euros que o Estado espanhol necessita para capitalizar a banca serão, para já, inscritos na dívida soberana, ao contrário do que pretendia o presidente do governo, Mariano Rajoy.
Quanto à compra de dívida dos Estados pelo fundo europeu, com vista a refrear os mercados, passará a ser possível já a partir de 9 de Julho, segundo se lê na declaração da cimeira.
Todavia não é um processo automático e terá como limite o fundo de 500 mil milhões de euros atribuído ao Mecanismo Europeu de Estabilidade, montante que se afigura insuficiente para dissuadir a especulação, face à dimensão das dívidas espanhola e italiana.
Acresce que os estados que solicitarem a intervenção europeia nos mercados terão que assinar previamente um «memorando de acordo», ficando vinculados a condições estritas, que se traduzirão necessariamente em medidas de austeridade. «Nada é grátis e a condicionalidade é absolutamente fulcral quando falamos de apoio», esclareceu o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy.
O garrote orçamental
Mas se Rajoy e Monti não têm grandes motivos para cantar vitória, em contrapartida, Angela Merkel saiu da cimeira da Zona Euro, na madrugada de dia 29, com algo de muito concreto: a certeza de que o pacto orçamental será ratificado pela França, sem qualquer renegociação dos seus termos, como prometera François Hollande na recente campanha presidencial.
Hollande justificou o recuo com a aprovação do plano para promover o crescimento e o emprego no montante de 120 mil milhões de euros, o que é apenas um por cento do PIB europeu, um gota de água no vasto oceano da crise económica, além de que boa parte provém dos fundos estruturais já existentes, representando por isso muito pouco dinheiro fresco para as economias.
Ao mesmo tempo, o objectivo do crescimento é claramente contrariado pelo pacto orçamental, que proíbe os governos de manterem défices acima dos 0,5 por cento, eternizando as políticas de austeridade, e permite à Comissão Europeia intervir na elaboração dos orçamentos dos estados signatários, sobrepondo-se aos parlamentos nacionais, como se de colónias se tratassem.
Sob tais condições não se percebe como irá Hollande colocar a estagnada e endividada economia francesa no trilho do crescimento. A alegada «derrota» de Merkel não passou afinal de uma vitória pírrica dos seus concorrentes.