Comentário

As vítimas mais inocentes

Maurício Miguel

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Os dados e as previsões divulgados recentemente num relatório da UNICEF sobre os milhões de crianças a viver na pobreza nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) são de uma brutalidade extrema. Referindo-se apenas a 2009 – assim não contemplando os efeitos das medidas do pacto de agressão (no caso português) –, o relatório evidencia uma regressão no combate à pobreza que afecta as crianças e alerta que «o pior pode estar ainda para vir».

Como sublinha o documento, as «crianças têm apenas uma oportunidade para desenvolverem as suas capacidades físicas e mentais», logo a manutenção destas políticas de maior exploração e destruição de importantes direitos e conquistas sociais terá um elevado custo para as próprias e para a sociedade no seu conjunto, por efeito da redução da qualidade da educação e formação, da sua menor produtividade, dos reduzidos níveis de saúde, do aumento do desemprego e da dependência dos serviços de protecção social, etc. Não sendo derrotadas as políticas em curso, as estimativas apontam para que em 2020 tenhamos retrocedido duas décadas no que se refere à pobreza entre as crianças.

Segundo o estudo, cerca de 13 milhões de crianças na UE (mais a Islândia e a Noruega) não têm os elementos mais básicos para o seu desenvolvimento e 30 milhões de crianças, nos chamados países desenvolvidos (OCDE), vivem na pobreza. Portugal ocupa o 25.º lugar com 20,9 por cento de crianças em privação(1) numa lista de 29 países. Em relação à taxa de pobreza infantil, Portugal ocupa o 26.º lugar, entre 35 países, com 14,7 por cento de crianças a viverem em agregados com rendimentos inferiores a 50 por cento do rendimento nacional médio disponível, apenas ultrapassado por países que recentemente aderiram à UE, nomeadamente a Roménia, a Bulgária, a Letónia e a Hungria. A taxa de privação para famílias com adultos desempregados era, já em 2009, de 76,6 por cento. Em 2009, ainda com o PS no governo, Portugal era dos países onde se tomava menos medidas (28.º em 35 países), tendo em vista minorar os riscos de pobreza (mediante transferências sociais, isenções fiscais e serviços para as crianças e famílias).

As políticas decorrentes do pacto de agressão terão um impacto que importa continuar a denunciar e a contestar com vista à sua derrota, pois aumentam o desemprego e o empobrecimento da população, destroem os serviços públicos e limitam a sua capacidade de defender e apoiar aqueles que na sociedade (famílias ou indivíduos) vivem situações mais difíceis.

Estas políticas não são uma fatalidade incontornável mas antes o resultado de opções políticas que transferem e concentram cada vez mais riqueza num punhado de muito ricos em detrimento da ampla maioria, particularmente dos mais frágeis de entre eles: as crianças.

A lista de malfeitorias decorrentes da aplicação do pacto de agressão já vai longa:

aumento do desemprego, que atinge no nosso País valores trágicos, alterações do Código do Trabalho, diminuição dos salários e outros rendimentos, subida do custo de vida, ataques à escola pública, degradação das condições de ensino com os mega agrupamentos, encerramento de escolas e despedimento de professores, corte ou reduções nos abonos de família, etc.

Esta lista vem juntar-se ao já longo historial de ataques aos direitos das crianças pelos sucessivos governos de PSD e PS (com ou sem o CDS) que, contrariando o salto em frente que constituiu a Revolução de Abril também para as crianças, agrava as suas condições de vida, particularmente nas classes trabalhadoras, pondo em causa o seu desenvolvimento individual e a perspectiva de uma existência digna.

Pais e avós com menos rendimentos, menos tempo para estar com os filhos e netos devido ao aumento dos horários de trabalho, o encerramento de serviços públicos, cortes nos rendimentos sociais de inserção e diminuição ou corte nos apoios a famílias em risco são factores que ameaçam de forma muito séria o futuro das crianças e a sua formação integral.

A insistência numa política profundamente lesiva das crianças põe em perigo o presente e o futuro do nosso País. A defesa dum presente e dum futuro melhores para as crianças das classes trabalhadoras é incompatível com o pacto de agressão. Derrotá-lo será um grande contributo para ajudá-las a desenvolver o imaginário, a formação e o desenvolvimento pessoal e social a que têm direito.

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 (1) Privação é um conceito que inclui 14 indicadores de avaliação sobre a situação de pobreza das crianças, nomeadamente: se fazem três refeições por dia, se em pelo menos uma delas estão incluídas carnes vermelhas, brancas ou peixe, se comem fruta fresca e vegetais todos os dias, se têm acesso a livros adequados à sua idade e nível de conhecimento, etc.



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