Vitória do «sim» ou do medo?
A Irlanda foi o único país a referendar o tratado orçamental que pretende impor aos povos europeus o empobrecimento e a perda sucessiva de direitos sociais. Sob pressões e ameaças o «sim» venceu.
Muitos votaram de «dentes cerrados»
O tratado orçamental foi aprovado, dia 31, por uma cómoda maioria de 60,3 por cento, embora a afluência às urnas, de apenas 50,6 por cento dos inscritos (quase nove pontos abaixo do referendo de 2009 ao Tratado de Lisboa), seja um indicador do pouco entusiasmo que a consulta despertou.
Concretamente, cerca de 955 mil pessoas votaram sim, contra 629 mil (39,7%) que se recusaram a ratificar um Tratado que estabelece normas estritas para limitar os défices orçamentais, prevendo pesadas sanções para os países infractores. Foi pois a contragosto que uma parte do povo irlandês votou favoravelmente normas que agravarão ainda mais a situação social e económica no país.
Para o primeiro-ministro, Enda Kenny, os irlandeses demonstraram «pragmatismo e realismo», o que, por outras palavras, significa que foram sensíveis à campanha conduzida pelo seu governo, assente na chantagem e na ameaça do caos.
Os insistentes avisos, vindos de dentro e de fora, de que a vitória do «não» excluiria a Irlanda de eventuais novos financiamentos europeus, acabaram por surtir efeito, permitindo agora à classe dominante utilizar o referendo como prova de que o povo está disposto a aceitar os dolorosos sacrifícios que lhes vão ser impostos.
Até ao final do ano, o governo pretende reduzir os gastos públicos em 4200 milhões de euros, com vista a reduzir o défice para 8,6 por cento. Os cortes deverão prosseguir no próximo ano até chegar à fasquia dos três por cento. Com a adesão ao tratado orçamental, o país ficará obrigado a manter as contas públicas equilibradas, com um desvio máximo de 0,5 por cento do Produto Interno Bruto.
Crise sem fim
Segundo testemunhou Gerry Adams, presidente do Sinn Féin, que fez campanha pelo «não», muitos eleitores da sua circunscrição votaram «sim» «cerrando os dentes». Porém, «os problemas que ontem enfrentavam são os mesmos de hoje», declarou Adams, após a divulgação dos resultados oficiais.
Na verdade, a crise está por resolver e as políticas de austeridade há muito que demonstraram a sua falência. «Como pensa o governo combater a crise do desemprego, a crise hipotecária e o que pensa fazer para que a economia cresça de novo e permita regressar aos mercados em 2014?». Mas a estas perguntas de Gerry Adams nem o governo irlandês nem os líderes europeus conseguem responder.