Comentário

Defender a soberania contra o retrocesso

Maurício Miguel

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Ao contrário do que alguns procuram afirmar, o resultado do referendo na Irlanda, sendo uma expressão da vontade soberana do povo irlandês, não legitima um tratado que é contrário aos direitos, interesses e aspirações dos povos. O retrocesso nunca será legítimo. A realização do referendo na Irlanda – único país onde tal foi permitido – sobre o chamado «tratado sobre a estabilidade, a coordenação e a governação da união económica e monetária», foi a expressão mais evidente do estado de profunda degradação e condicionamento da soberania de um povo e das já limitadas liberdades políticas e democráticas na UE. Foi a expressão clara da forma como o aprofundamento da crise do capitalismo impõe significativas alterações na superestrutura política, particularmente no direito e no exercício da soberania dos povos. Apesar de toda a campanha de intimidação e chantagem sobre o povo irlandês promovida pelos partidos que apoiam o tratado e apesar de toda a interferência externa, foram muitos milhares os que votaram contra o tratado e o seu objectivo central: destruir conquistas sociais e impor o retrocesso nos direitos sociais e laborais. Mesmo no campo dos que votaram pelo sim, muitos foram os que o fizeram, sobretudo, pelo medo e não pelo apoio claro e consciente aos seus objectivos. Depois da rejeição do tratado de Nice e posteriormente do tratado de Lisboa, que «obrigou» à repetição dos referendos, o comando político ao serviço do grande capital em Dublin e em Bruxelas quis evitar um resultado semelhante o que, no actual contexto de grave crise da/na UE, poderia acentuar ainda mais as contradições existentes no seu seio. O povo irlandês tem sido exposto às mais duras provas na luta contra a UE do grande capital e das grandes potências.

Ainda assim, com todas as enormes limitações, o povo irlandês pôde fazer aquilo que PSD, CDS/PP e PS negaram ao nosso povo. A situação do nosso País exige a realização de um debate aberto e participado, onde as várias forças se possam exprimir e onde, sobretudo, se permita ao nosso povo ser envolvido e ser voz activa num processo determinante para o nosso presente e o nosso futuro. É que este tratado, inseparável de outros instrumentos e políticas da UE, irá amarrar o País a um colete-de-forças «legal» do domínio das grandes potências e a marcha-atrás nas conquistas históricas da luta do nosso povo. Este tratado condena países como Portugal, que já enfrenta o pacto de agressão da UE e do FMI (com o apoio do PSD, CDS/PP e PS), ao subdesenvolvimento económico e social, impondo ao nosso povo a manutenção e o aprofundamento das medidas das troikas (nacional e estrangeira). As regras por ele definidas não irão reduzir os problemas do défice e da dívida, antes os tornarão doenças crónicas.

O que este processo também evidencia é que não existem soluções para os problemas dos trabalhadores e do nosso povo sem romper com as políticas da UE e dos sucessivos governos, sem a afirmação da soberania e independência nacionais que este tratado fere de forma muito profunda.

Países como o nosso necessitam de uma política patriótica e de esquerda para abrir caminho ao aumento da produção nacional – para o qual é fundamental o investimento público –, assumindo o Estado sectores chave da economia para promover o desenvolvimento económico e recuperar o atraso do país em algumas áreas. É necessário investir no desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico ao serviço dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País. É necessário aumentar salários e pensões, defender e valorizar serviços públicos. É necessário combater de forma efectiva o desemprego, criando emprego com direitos, valorizando os trabalhadores e o seu papel central no nosso tempo. Como repetidamente o afirmamos e a realidade o confirma, apenas da luta de massas e do seu reforço se poderá forjar a ruptura e a alternativa política para a política alternativa para cada povo e cada país na sua situação concreta. A soberania nacional é um marco histórico e uma conquista dos povos ao imperialismo e à exploração do homem pelo homem na torrente da luta de classes.

A defesa e reconquista de parcelas fundamentais perdidas no processo de integração capitalista da UE são determinantes para abrir caminho a avanços progressistas e revolucionários e a novas etapas na marcha imparável da história dos povos.



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