À medida

Henrique Custódio

Pedro Passos Coelho arranchou um Governo à sua dimensão – e oito meses apenas sobre a tomada de posse, já o todo e os seus vários avultam obra.

Começando pelo ministro das Finanças, o impressivo Vítor Gaspar, tudo nele é personalidade: o andar pausado, o cabelo de retinta escovinha, o rosto em desenho rupestre, uma voz anasalada que lhe vem do fundo do peito, soando ao tempo em que os homens arrancavam das entranhas os mistérios da linguagem. Parecendo fazer tudo em câmara lenta, se continua a abrandar assim, ainda acaba petrificado e exposto no Museu de Arte Antiga.

Onde Gaspar não é lerdo é a distribuir bordoada ao povo e a cabecear vassalagens ao homólogo alemão.

No primeiro caso, o da bordoada, o impulso até parece vir-lhe dos genes beirões que Salazar difamou (os colegas de Governo chamam-lhe «Salazarinho»), inconveniência que damos de barato, mas que o povo português está a pagar muito caro. Só a ele e à sua arrepiante frieza é que nada parece custar sobre as devastações sociais que multiplica pelo País, o que evidencia enraizado reaccionarismo e notória aversão às conquistas democráticas alcançadas com a Revolução de Abril – apesar do homem já ter 14 anos quando o MFA saiu às ruas.

Quanto ao seu cabecear de vassalagens perante os poderosos, está-lhe obviamente na matriz ideológica e, quiçá, no seu confortável convívio com os supracitados, nos cargos que foi desempenhando pelas europas.

Depois temos «o Álvaro», ministro da Economia e talvez o mais emblemático ministro deste Governo, tantas são as gafes «à pastel de nata» e a titubeação governativa, numa inconstância que o seu nariz à pinóquio, espetado e espantado, nervosamente parecem indiciar.

Sim, emblemático, pois é um notório erro de casting. Tal como todo o Governo a que pertence.

Segue-se Miguel Relvas, «o Obíquo», que do alto do seu (pelos vistos) majestático Ministério dos Assuntos Parlamentares, parece estar em todo lado, qual Rasputine ao avesso – em vez de manobrar por trás do poder, exibe-se à frente dele como proprietário entusiasmado e cioso. Fora isso não faz nada que se veja, o que parece confirmar a farpa do Mirante, hebdomadário de Tomar (onde Relvas estudou em jovem e desempenhou mais tarde vários cargos públicos na cidade), que casquinhou sobre a licenciatura do Miguel tirada aos 46 anos, na Lusófona, lembrando que Relvas «era acusado de nunca ter trabalhado na vida, nem sequer como estudante».

Não sabemos se trabalha – mas, sem dúvida, mexe-se que se farta.

Depois temos Paulo Portas, o ex-ministro da Defesa que inventou o controlo marítimo «por avistamento». Neste Governo abraça a pasta dos Negócios Estrangeiros e, de lá, vai compensando o esvaziamento de poderes que Passos Coelho lhe aplicou convocando conferências de imprensa no estrangeiro para fingir que é um «primeiro-ministro sombra». As «pauladas» do costume.

Deixando de lado a lista dos secretários de Estado – longa como a légua da Póvoa para compensar a redução de ministros – e mais um ou outro nome ministerial que só por acidente ficará para a história, eis o Governo da Nação. Sendo o todo a soma das partes, quando não mais do que isso, fica o embaraço de como classificar o «chefe» Coelho – um oblíquo erro de casting, tão salazarento que nem à paulada...



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