A hora é do povo
Centenas de milhares de pessoas manifestaram-se, no domingo, pelo terceiro dia consecutivo, em Atenas e muitas outras cidades da Grécia, contra o novo pacote de cortes imposto pela troika ao país.
Troika impõe salários chineses e preços de Bruxelas
Depois da greve geral de terça-feira, 7, e do acordo do governo sobre as condições do plano de resgate, as centrais sindicais convocaram uma paralisação de dois dias, que foi seguida em todos os sectores, na sexta-feira e sábado, e acompanhada de importantes manifestações, em particular frente ao parlamento.
No domingo, segundo relata o correspondente da Prensa Latina, António Cuesta, mais de 250 mil pessoas encheram as ruas da capital, em particular a Praça Sintagma, frente ao parlamento. Os manifestantes permaneceram pela noite dentro, apesar de constantes cargas policiais, muitas delas provocadas por «"conhecidos desconhecidos" grupos de jovens que irrompem pelos protestos, atacam a polícia e mesmo manifestantes com pedras e cocktails molotov, motivam o contra-ataque e desaparecem rapidamente» (Pedro Caldeira Rodrigues, Lusa 11.02).
No final de uma sessão que só terminou na madrugada, a maioria dos deputados aprovou a série de medidas que tornará a Grécia num país com «salários chineses e preços de Bruxelas» (Lusa, 10.02).
Face à brutalidade dos cortes, os deputados do KKE exigiram a votação nominal para que cada um assumisse as suas responsabilidades individuais. Pouco depois da votação, 22 deputados do PASOK e 21 da Nova Democracia foram expulsos das respectivas bancadas por se terem recusado a aprovar o memorando de entendimento com a troika. Num hemiciclo com 300 representantes, 199 votaram a favor do pacote e 74 contra, num total de 278 votos expressos.
O povo já está em bancarrota
Na sessão, a secretária-geral do CC do KKE, Aleka Papariga, acusou a maioria parlamentar de tentar subjugar a opinião pública mediante manobras de «intimidação ideológica sem precedentes»: «A grande bancarrota está iminente? A quem estão a falar? Ao povo que já está em bancarrota? Não, não estamos interessados numa Grécia que será salva e em que o povo estará em bancarrota.»
«Em segundo lugar, mesmo que a Grécia aumente a sua competitividade, esta competitividade custará ainda mais ao povo trabalhador. A Grécia estará super-endividada durante 150 anos, como foi o caso com os empréstimos da "independência".» «O povo não evitará a bancarrota, faça o que fizer, mesmo que aceite trabalhar de graça durante um, dois ou três anos. A nossa posição é clara: só a luta pode impedir o pior. Mas para o conseguir, o movimento popular deve ser dirigido rumo à mudança deste sistema político, pelo sistema político dos trabalhadores e pelo poder do povo». E conclui defendendo a saída da UE e o cancelamento unilateral da dívida: «não há outra solução para o povo».
Outros deputados do KKE salientaram que o novo pacote de medidas condenará o povo trabalhador a subsistir com salários de miséria: «Ninguém tem o direito de condenar o povo trabalhador a um salário de 400 euros. Pretenderão que para o bem do povo é preciso enterrá-lo vivo? Será que a vossa preocupação é meramente a de saber qual será a divisa em que exprimirá a pobreza do povo? O sistema esgotou os seus limites históricos. Não pode sequer proporcionar um bocado de pão a fim de subornar consciências. A riqueza social hoje é incrivelmente alta e vocês pedem ao povo para viver como na Idade Média. O que nós dizemos a todo o povo é que levante a cabeça, pois não tem nada a perder senão os seus grilhões» (http://inter.kke.gr/).
Cortes intoleráveis
As reduções salariais impostas pelo novo pacote da troika, vão muito mais além do que a mera redução de 22 por cento do salário mínimo.
Na verdade, as reduções abrangem o conjunto dos trabalhadores bem como os subsídios e prestações sociais. Segundo uma análise detalhada da central sindical PAME, o salário mínimo líquido dos trabalhadores solteiros sem experiência profissional passa dos actuais 633 euros para 430. O dos jovens com menos de 25 anos é fixado em 430 euros, enquanto os que frequentam formação auferirão apenas 345 euros.
Todos os convénios colectivos sectoriais expirarão com o objectivo de impor novas grelhas salariais em que o leque das remunerações líquidas varia entre 494 e um máximo de 600 euros.
A redução dos salários mínimos implicará a redução das pensões mínimas, actualmente em 486 euros, isto é, 65 por cento do salário mínimo nacional. Por seu turno, os subsídios de desemprego passarão a corresponder a 55 por cento do salário de um trabalhador não qualificado, devendo passar dos actuais 462 euros para 369 euros. A PAME salienta que só nos últimos dois anos os rendimentos dos trabalhadores sofreram um corte médio de 50 por cento.