Travar a exploração e o empobrecimento
«O País não está condenado ao atraso e às injustiças»
Um desfile que reuniu centenas de militantes e simpatizantes do PCP, mas também inúmeros participantes que se foram juntando à marcha, numa atitude de identificação com as motivações, o protesto a luta, e os objectivo pelos quais os comunistas portugueses se batem.
Num fim de tarde, quando por circunstância própria da altura do ano já nenhuma luz do sol banhava a Praça da Batalha, local da concentração inicial, os participantes naquele desfile encheram-na de bandeiras vermelhas. E, se faltava a luz, sobrava força e determinação nas palavras de ordem gritadas: O custo de vida aumenta: o Povo não aguenta!, A luta continua!, complementadas com painéis onde se podiam ler diversas mensagens contra o aumento do custo de vida, o aumento dos preços, contra as taxas moderadoras, e de rejeição ao pacto de agressão a que o nosso País está sujeito, com implicações catastróficas na vida dos portugueses.
Descendo depois a Rua de Santa Catarina, num percurso a que o PCP já habituou o centro daquela cidade, continuaram as palavras de ordem entoadas até meio da zona pedestre, onde se encontrava um palco improvisado para a intervenção do Secretário-geral do PCP. Foi daí que Jerónimo de Sousa rejeitou os «aumentos sucessivos» – referindo-se a bens e serviços essenciais como a energia eléctrica, os combustíveis, o gás, os transportes e portagens, o acesso à saúde, os impostos e outros –, que são o «exemplo concreto da brutalidade e da injustiça que este aumento do custo de vida está a provocar nas famílias e também nas pequenas e médias empresas».
A história não anda para trás
Falando das propostas de alteração legislativa no plano laboral, nomeadamente em relação ao aumento do horário de trabalho, o Secretário-geral do PCP lembrou que «a sua redução foi uma luta com cento e cinquenta anos», conquistada pelos trabalhadores sempre num caminho de progresso e alicerçado também «com o avanço da ciência e da técnica» – que permite, hoje, «produzir mais trabalhando menos».
Para Jerónimo de Sousa, este Governo «foi à arca das velharias retrógradas» tentando impor aos trabalhadores o aumento de meia hora diária de trabalho, a redução do período de férias e o fim de feriados, o que significa que «este Governo quer pôr os trabalhadores portugueses a trabalhar mais um mês por ano, à borla, gratuito, com prejuízos para os seus rendimentos e em benefício do capital».
Estas medidas em concreto teriam, alertou, um impacto muito negativo ao nível do desemprego, já que «mais um mês de trabalho gratuito por ano significa que vai haver menos emprego». Feitas as contas, acrescentou, a adopção destas medidas poderá significar que «duzentos e cinquenta mil empregos vão deixar de existir ou nunca existirão».
Relativamente ao argumento do Governo de que o prolongamento da jornada de trabalho aumenta a competitividade, o Secretário-geral comunista questionou o porquê de ser «sempre o factor trabalho que tem que pagar». E enumerou em seguida variados factores, como o preço da energia, dos transportes, das comunicações, dos combustíveis ou o acesso ao crédito por parte das pequenas e médias empresas, esses sim verdadeiramente vitais para a sobrevivência e produtividade das empresas.
Perante a análise a todas estas medidas, o dirigente do PCP afirmou que, de facto, «isto não tem nada a ver com o défice nem com a dívida, é apenas uma opção deste Governo que quer fazer recuar a história», recuo que tem como consequência «o aumento da exploração e o empobrecimento geral dos trabalhadores e dos reformados».
Mudar para melhor
Jerónimo de Sousa rejeitou ainda a «tese das inevitabilidades» e do «tem que ser», alimentada por um «destacamento de comentadores, analistas, governantes» que, através da comunicação social, dizem incessantemente «conformem-se, resignem-se, baixem os braços». E manifestou a sua confiança em que, «tal como o povo português demonstrou ao longo dos anos», o que o País precisa é de «uma outra política, uma política diferente, que consiga fazer evoluir Portugal no sentido do progresso». «Este País não está condenado ao afundamento, não está condenado ao atraso e às injustiças», acrescentou, transmitindo a confiança de que serão os portugueses «cada vez em maior número», com o PCP, que hão-de «um dia mudar a situação».
Foi assente nesta convicção e na existência de uma alternativa que ali esteve o PCP, nas ruas do Porto, em luta e protesto, contra o aumento do custo de vida e contra as alterações pretendidas para a legislação laboral, contra o desemprego, contra as injustiças e a «favor duma outra política que salve Portugal deste caminho para o desastre». Os perigos e ameaças são grandes, reconheceu Jerónimo de Sousa, transmitindo, porém, um «profundo sentimento de confiança, uma esperança que não fica à espera e a certeza de que quando o povo quiser isto há-de mudar e há-de mudar para melhor».
Campanha nacional lançada em Lisboa
O desfile do Porto foi a primeira acção de rua da campanha nacional de esclarecimento e mobilização do PCP Contra a exploração e o aumento do horário de trabalho, que foi lançada no dia 4 numa sessão pública em Lisboa. Na ocasião, o Secretário-geral do Partido desvendou os reais objectivos das alterações à legislação laboral que o Governo pretende levar a cabo: o agravamento da exploração dos trabalhadores. Para cumprir tal desígnio, o Governo PSD/CDS quer facilitar os despedimentos, reduzir as indemnizações, alargar a precariedade, atacar a contratação colectiva, reduzir o pagamento de horas extras e do trabalho em dias de descanso e alargar o horário de trabalho.
A desregulamentação dos horários, lembrou Jerónimo de Sousa, sempre foi um objectivo do capital, com «processos de alteração da legislação, tentativas de imposição de bancos de horas, violação sistemática da lei», e surge agora «com toda a brutalidade» sob a forma de aumento de meia hora diária.
Depois de chamar a atenção para as medidas previstas e suas mais que previsíveis consequências (que tratamos nas páginas centrais), o Secretário-geral do PCP lembrou a existência de um milhão de desempregados no País e salientou que o desenvolvimento científico e tecnológico permite produzir mais em menos tempo. Assim, o que se impõe é o «prosseguimento do processo histórico de redução progressiva do horário de trabalho sem perda de salário, como elemento de progresso civilizacional e meio indispensável de combate ao desemprego». Ou seja, precisamente o oposto do que o Governo quer fazer.
Para Jerónimo de Sousa, tal como foi a luta do movimento operário que impôs, na prática, a redução do horário de trabalho, também agora será em primeiro lugar pela luta que se derrotará o propósito do Governo de o aumentar e se assegurará a progressiva redução da jornada laboral.
Luta é decisiva
O dirigente comunista lembrou ainda que as sucessivas alterações da legislação de trabalho «sempre foram justificadas pelos mesmos objectivos». Foi com argumentos semelhantes que, na última década, avançaram no governo PSD/CDS de Durão Barroso a campanha para a competitividade e o emprego e o Código do Trabalho. O governo do PS de José Sócrates levou também por diante – em nome, claro está, da criação de emprego e do estimulo à economia nacional – novas alterações da legislação laboral, para pior.
Ao contrário do que foi anunciado, todas estas medidas «acabaram por tornar Portugal um dos países com mais precariedade da União Europeia e fazer crescer o desemprego para os mais elevados níveis das últimas três décadas», recordou Jerónimo de Sousa. As alterações defendidas pelo Governo – que traz de volta o argumento da competitividade, envolto no eterno discurso das reformas estruturais – «não contribuirão nem para aumentar a produtividade nem a competitividade da economia nacional». Servem, sim, e apenas, para aumentar a exploração.
O dirigente comunista repudiou ainda os rios de dinheiro que «não pagam impostos», lembrando a deslocalização para a Holanda da sede da Sociedade Gestora de Participações Sociais da Jerónimo Martins/Pingo Doce, «seguindo o caminho da generalidade dos grandes grupos económicos e financeiros cotados no PSI 20».
Realçando que a luta dos trabalhadores e do povo «vai ser decisiva» para derrotar o pacto de agressão, Jerónimo de Sousa concluiu reafirmando a determinação dos comunistas em pugnar por uma política patriótica e de esquerda, contrária a este «rumo de afundamento», e em construir a alternativa ao capitalismo – o socialismo e a sociedade livre da exploração do homem pelo homem.