Aos milhões

Henrique Custódio

«Onde vão buscar os chineses tantos milhões?» perguntava na capa a revista Visão da semana passada, após titular, com um dramatismo algo pacóvio, «Como a China nos quer comprar».

Os editores da Visão podem descansar as meninges, que o sítio (nome e até a data) onde os chineses vão buscar «tantos milhões» é do domínio público: chama-se «ganância», situa-se no capitalismo mundial e começou aproximadamente há três décadas, quando Ronald Reagan impôs nos EUA e no mundo uma doutrina económica gizada pela famosa «escola de Chicago». Na decorrência dessa política, o «capitalismo desenvolvido» (basicamente, dos EUA, UE e Japão), para fugir ao progressivo declínio dos seus mercados, mergulhou em duas vertigens concomitantes e fatais: uma, entregando-se à financeirização da economia e à especulação bolsista desenfreada; outra, transferindo progressivamente fábricas inteiras e depois industrias e, até, tecnologias para os chamados «países emergentes» – com a China à cabeça, seguindo-se-lhe a Índia, o Brasil e por aí fora – em busca de mão-de-obra mais barata e da recuperação de lucros.

Trinta anos depois, a recuperação dos lucros continuou estagnada ou a definhar no «capitalismo desenvolvido», enquanto os «países emergentes» (com a China à cabeça, não esquecer) se foram paulatinamente desenvolvendo. Daí... os chineses estarem cheios de milhões!

Aqui tem, a Visão, a resposta à sua pergunta intrigada (e intrigante, dado vir de gente de quem se espera estudo e conhecimento. Será que nunca ouviram falar de Lénine?).

Mas, para atalhar contra-argumentações cansativas, recordamos um único, mas incontroverso facto: nestes mesmos 30 anos de declínio do «capitalismo desenvolvido» – cuja prova flagrante está nas constantes taxas de crescimento negativo ou perto disso –, a «taxa de crescimento» económico na China, no mesmo período, rondou uma média de 10%. Significativamente, disto nunca ninguém fala.

É sabido que o capitalismo só procura o lucro, e se não o encontra num lado... vai à procura, dele, noutro.

Entretanto, galgam fronteiras e expandem-se pelo mundo as vozes que denunciam abertamente o servilismo dos governos a executar o que manda a cupidez dos banqueiros e especuladores, responsáveis pela roleta bolsista que pôs à mostra a actual crise. E as ordens emanadas são simples: utilizar o garrote dos défices públicos para esconder os défices privados – esses, sim, astronómicos –, pretextar esses défices públicos para uma ofensiva generalizada contra salários, direitos sociais e liberdades e garantias dos povos, fazendo os trabalhadores pagarem os abissais desfalques e buracos financeiros que não fizeram.

Como «estratégia de recuperação», recomendam a retracção suicida de salários e investimentos públicos, o que só desencadeia mais desemprego e recessão, como a Grécia dramaticamente o já demonstrou.

Pateticamente, Passos Coelho insiste em nos mandar «olhar o futuro com esperança»...



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