A carne, os ossos e o sangue

Vasco Cardoso

A crise do ca­pi­ta­lismo – da qual as crises na UE e do pró­prio euro são ex­pressão – apro­funda-se, e muito.

No centro da densa malha ide­o­ló­gica te­cida para le­gi­timar o brutal agra­va­mento da ex­plo­ração dos tra­ba­lha­dores e o saque dos re­cursos dos povos, está o «mau com­por­ta­mento» ou a «ir­res­pon­sa­bi­li­dade» dos países da pe­ri­feria da UE. É pre­ciso – dizem! – impor «sa­cri­fí­cios» e «cas­tigar» os países «mal com­por­tados», «ir­res­pon­sá­veis», os ditos PIIG (porcos!) com toda a carga re­ac­ci­o­nária que o termo com­porta, os que gas­taram mais do que aquilo que ti­nham.

Es­condem com esta dou­trina a na­tu­reza de um sis­tema, as­sente no seu de­sen­vol­vi­mento de­si­gual e as­si­mé­trico, e que se ex­pressou, neste caso con­creto, em ex­ce­dentes co­mer­ciais his­tó­ricos na Ale­manha – em pro­veito do grande ca­pital alemão, so­bre­tudo fi­nan­ceiro – à custa dos dé­fices e do en­di­vi­da­mento de ou­tros países, como Por­tugal.

A po­lí­tica de des­truição do apa­relho pro­du­tivo, a de­sin­dus­tri­a­li­zação do país, a pri­va­ti­zação de em­presas es­tra­té­gicas, o de­sa­pro­vei­ta­mento e ce­dência de im­por­tantes re­cursos na­ci­o­nais, fi­zeram parte de uma es­tra­tégia que visou ar­rumar Por­tugal como país con­su­midor dos ex­ce­dentes dos ou­tros e for­ne­cedor de mão-de-obra ba­rata. Os mi­lhões de fundos co­mu­ni­tá­rios e a in­tro­dução do euro – uma es­pécie de marco dis­far­çado – fun­ci­o­naram como lu­bri­fi­cantes no pro­cesso de con­cen­tração e cen­tra­li­zação de ca­pital que se re­gistou na UE, e do qual os grupos mo­no­po­listas de base na­ci­onal saíram, também, be­ne­fi­ci­ados. Si­mul­ta­ne­a­mente, ati­raram-se à dí­vida pú­blica en­tre­tanto acu­mu­lada, tor­nando-a, também ela, um ins­tru­mento de saque por via da es­pe­cu­lação e dos juros obs­cenos que exi­giam, e exigem.

E o que querem agora? Querem o resto. Não querem re­solver o pro­blema da dí­vida ou do dé­fice (muito menos do de­sem­prego ou do cres­ci­mento eco­nó­mico). Pre­cisam desses ins­tru­mentos para nos con­denar à ser­vidão. Cha­mando-lhe «ajuda ex­terna» querem mais horas de tra­balho e menos sa­lário; des­pedir à bruta; tomar as em­presas pú­blicas e os re­cursos do País; limpar pre­juízos aos ban­queiros; vi­giar as massas; de­cidir do or­ça­mento, das leis, da Cons­ti­tuição. Querem a carne, os ossos e o sangue. Querem ir até onde o nosso povo deixar!



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