E nós, a vermo-nos gregos...
1. Estamos numa semana de desenvolvimentos na crise da zona euro. Ou dito de outro modo, menos alinhado com o léxico corrente na comunicação social dominante, mas melhor denotando o período histórico que nos é dado viver, uma semana com desenvolvimentos na expressão que, na zona euro e na UE, vem assumindo a crise do capitalismo.
2. Nas últimas semanas, a Grécia saltou de novo para os noticiários europeus e mundiais. À recessão económica, à devastação social, ao desemprego e ao crescimento da dívida, resultantes da aplicação do programa FMI-UE, de recorte idêntico ao preparado para Portugal, somam-se agora as pressões, internas e externas, para que se sujeite o povo grego a uma dose reforçada de sacrifícios e de esbulho. Entre as propostas entretanto ventiladas, surge a possibilidade de entrega de empresas públicas como garantia da aplicação de medidas adicionais de «austeridade» ou a intervenção directa da troika FMI-BCE-CE na cobrança de impostos ou no processo de privatizações. Novos passos se preparam neste processo de ingerência e de extorsão, de cariz abertamente colonial...
3. Como muitos avisaram há um ano, o programa FMI-UE, para além do desastre económico e social que causou na Grécia, revelou-se incapaz de cumprir os próprios objectivos que alegadamente o justificaram: as metas de redução do défice não foram cumpridas, a dívida pública do país rondará neste momento os 170 por cento do PIB e o previsto «regresso aos mercados» para se financiar, nesta altura, só com taxas de juro que rondam os 25 por cento, a dois anos (no mercado secundário), ou quase 17 por cento, a dez anos.
4. As agências de notação vão cumprindo, diligentes, o seu papel, com a cumplicidade segura dos senhores da UE. O espectro do «incumprimento», já em Julho, justifica um novo ataque, com elevação dos juros não apenas da dívida grega, mas também de Portugal, da Irlanda e da Espanha, a novos máximos históricos. Entretanto, o FMI aterrou na semana passada em Barajas, Madrid. Diz-se que, por agora, para «uma missão de carácter ordinário – há muito programada»...
5. «Renegociação da dívida pública, nos seus juros, prazos e montantes.» A proposta, feita pelo PCP ainda antes de anunciada a intervenção do FMI e da UE no nosso país, foi primeiro silenciada pela comunicação social dominante. Depois, deturpada e mesmo caricaturada. Apodada de irresponsável e de irrealista, algo nunca visto. Hoje, a reestruturação da dívida grega, sob várias formas e designações – «reestruturação suave», «reprofilling» ou «rollover» – é tema omnipresente na imprensa europeia. O que era «impossível» até há poucas semanas é agora não apenas possível como, a breve trecho, inevitável.
6. A questão, no que diz respeito à renegociação da dívida, seja em Portugal ou na Grécia, é em que condições e no interesse de quem ela se fará. O processo de extorsão tem limites – impostos pela incapacidade da vítima, uma vez exaurida, continuar a alimentar o extorsionário. A dado passo, será inevitável que o esbulho termine num «incumprimento». Quem teria a perder com este incumprimento? O Deutsche Bank, o maior banco alemão, declarou ter riscos soberanos líquidos ligados à Grécia no valor de 1,6 mil milhões de euros, no final de 2010. Na lista de credores surgem também em posição destacada os bancos franceses, e há também os holandeses... Para já, fala-se num alargamento dos prazos de maturidade e reconsideração das taxas de juro (renegociação de prazos e juros). Mesmo Trichet, presidente do BCE, afirmando-se contra «a imposição de perdas aos credores», acabou por, de alguma forma, dar luz verde a uma solução deste tipo, garantida que seja a manutenção «do nível de crédito a liquidar pelas instituições financeiras».
7. Com este pano de fundo, o Parlamento Europeu votará esta semana o pacote legislativo da governação económica. Os seis diplomas que o compõem pretendem institucionalizar e eternizar as políticas e as medidas de ingerência associadas às intervenções FMI-UE actualmente em curso. A «condicionalidade» tornar-se-ia permanente, assim como o controlo externo sobre as contas e as políticas nacionais, sujeitas a uma fiscalização apertada por parte do directório de potências da UE. A violação (ou mesmo a simples ameaça de violação) dos seus ditames seria motivo de pesadas sanções, que poderão incluir multas até 0,2 por cento do PIB.
8. É também com este pano de fundo que, por toda a Europa, os trabalhadores e os povos se levantam, lutam e resistem. Este é o factor-chave a contar para o desenlace da ofensiva em curso. Na Grécia como aqui.