O espectáculo e os bastidores

Filipe Diniz

A ex­pressão «so­ci­e­dade do es­pec­tá­culo» foi cu­nhada por Guy De­bord. E não será por ou­tras opi­niões an­ti­co­mu­nistas que se dei­xará de re­co­nhecer que re­flectiu sobre esta ma­téria de forma cer­teira e útil.

Os úl­timos dias foram me­mo­rá­veis. Numa sequência me­diá­tica sem fa­lhas nem so­bre­po­si­ções su­ce­deram-se a aris­to­cracia-es­pec­tá­culo, a be­a­ti­fi­cação-es­pec­tá­culo e a exe­cução-es­pec­tá­culo. A má­quina fun­ci­onou em todo o seu poder. Co­mu­nicou, em con­ti­nui­dade e com toda a cla­reza, a es­ta­bi­li­dade e a força da ordem so­cial do­mi­nante, da ordem es­pi­ri­tual re­ac­ci­o­nária do­mi­nante e da lei ir­res­trita do mais forte.

Os três es­pec­tá­culos são com­ple­men­tares, e por de­trás do cor-de-rosa do pri­meiro e da unção beata do se­gundo está ne­ces­sa­ri­a­mente a vi­o­lência e a forma de exe­cução do ter­ceiro. O pre­si­dente do Peru, Alan Garcia, na mais gro­tesca mas também na mais elu­ci­da­tiva das afir­ma­ções pro­fe­ridas neste quadro, acabou por ver­ba­lizar uma as­so­ci­ação entre dois dos es­pec­tá­culos que ou­tros te­riam talvez pre­fe­rido deixar su­bli­minar: «a morte de Bin-Laden é o pri­meiro mi­lagre de João Paulo II».

Ao que pa­rece há em toda esta sequência de es­pec­tá­culos al­gumas his­tó­rias mal con­tadas. Não têm im­por­tância, porque neste es­pec­tá­culo não co­manda a ra­ci­o­na­li­dade mas a con­clusão pre­ten­dida.

Num dos seus textos De­bord es­creve: «esta de­mo­cracia tão per­feita fa­brica ela mesma o seu in­con­ce­bível ini­migo: o ter­ro­rismo. Ela quer, com efeito, antes ser jul­gada pelos seus ini­migos do que pelos seus re­sul­tados». […] Para as «po­pu­la­ções es­pec­ta­doras» tudo o resto, com­pa­rado ao ter­ro­rismo, «de­verá pa­recer-lhes mais acei­tável […]».

O es­pec­tá­culo oculta os bas­ti­dores. A for­mu­lação das im­po­si­ções do FMI/BCE/UE ao povo e ao País evo­luiu na sombra e no se­gredo. Como se não hou­vesse uma longa his­tória an­te­rior, como se não fossem co­nhe­cidas as de­sas­trosas re­ceitas in­ces­san­te­mente re­pe­tidas no único e ex­clu­sivo in­te­resse do grande ca­pital trans­na­ci­onal. É também esse o re­sul­tado que esta maré me­diá­tica pro­cura obter: tornar acei­tável o que é in­to­le­rável.

Mas a so­ci­e­dade não se di­vide entre um poder ab­so­luto e «po­pu­la­ções es­pec­ta­doras». A úl­tima pa­lavra per­tence aos tra­ba­lha­dores e ao povo em luta. Mais tarde ou mais cedo serão eles os pro­ta­go­nistas do es­pec­tá­culo.



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