Os quatro
A dissolução da Assembleia foi o pretexto para que o actual Presidente da República transferisse para Belém as comemorações oficiais do 25 de Abril. Seguiram-se quatro discursos do actual e de cada um dos ex-presidentes. Quatro discursos que poderiam ter sido um, tal a sintonia, tal o encaixe e distribuição de papéis, tal a comunhão de análises e soluções.
Disseram-nos que todos somos responsáveis pela situação a que o País chegou, todos! Disseram-nos que os portugueses andaram a viver acima das suas possibilidades, que quiseram ter casa e educação para os filhos. Disseram-nos que o Estado gasta para lá do que pode com escolas, hospitais estradas e afins. Disseram-nos que o que ainda nos vai valendo é a União Europeia – e agora o FMI – para nos acudir nas aflições. Disseram-nos que vêm aí tempos ainda mais difíceis, tempos de brutais sacrifícios e dificuldades. Disseram-nos mal dos partidos, de todos os partidos e que é tempo destes porem os interesses do País à frente dos seus. Falaram-nos da dívida, do défice e da crise, e que agora não há outro caminho, que não há alternativa, que não seja a da união de todos, a união nacional, para apoiar e aceitar esta cruz.
Tão revelador como o que foi dito, foi aquilo que foi escondido pelos quatro. Não se ouviu uma palavra sobre os lucros dos grupos económicos e financeiros, sobre a forma em como saqueiam o Estado e exploram a força de trabalho. Os quatro passaram uma esponja sobre as responsabilidades da União Europeia, da sua lógica e natureza perversa, desse rolo compressor ao qual voluntariamente o poder político se submete. Com idêntica comunhão de interesses, Abril no seu conteúdo e projecto de futuro, foi ali esquecido e abandonado, tal como a própria Constituição da República que, cada um dos quatro, a seu tempo, jurou cumprir e fazer cumprir.
Sacudindo a água do capote, os quatro falaram assim como se não tivessem tido, eles próprios, as maiores, repito, as maiores, responsabilidades na actual situação do País. Um branqueamento tão mais necessário quanto se intensificam os apelos para um «pacto», um «compromisso», um «acordo de regime» que garanta uma vez mais os interesses dos grupos económicos e financeiros que, naquela manhã, os quatro, tão bem ali estiveram a representar.