Parlamento chumba PEC IV e Sócrates demite-se

A palavra volta a ser do Povo

Com a rejeição do PEC IV fez ontem oito dias (por via da aprovação do ponto comum nos vários projectos de resolução dos partidos da oposição que pugnavam por esse objectivo), formalizado que foi no mesmo dia junto do PR o pedido de demissão do primeiro-ministro, aberto está o caminho para devolver a palavra ao povo português.

 

Governo não toca nos poderosos

Interrompida foi assim, para já, a tentativa de aplicar novas medidas que comportam recessão, mais desemprego e um agravamento da situação social, na linha do que têm sido as orientações e a acção do Governo PS no sentido de impor mais sacrifícios e mais injustiças aos trabalhadores e ao povo. Pelo lado do PCP – em coerência com a sua firme e determinada luta contra esta desgraçada política e por uma mudança de rumo –, tratou-se de barrar um «novo passo nessa escalada de retrocesso social» a que a política de direita tem conduzido o País, como bem assinalou no fecho do debate o Secretário-geral do PCP.

 

Vitimização

 

Esta foi uma posição da bancada comunista que ficou absolutamente expressa por mais que o PS e o seu Governo tudo tenham feito, numa bem ensaiada operação, para fazer passar a ideia de que estariam a ser vítimas de uma «coligação negativa» dos partidos da oposição, numa espécie de maléfico «entendimento» animado apenas pela vontade de «destruir».

Ao ponto de o ministro da Presidência Pedro Silva Pereira, aludindo aos partidos de esquerda, ter dito que não podia passar «sem uma denúncia» o que considerou ser a sua aceitação de «dar à direita a oportunidade para tentar chegar ao poder no momento e nas condições que a própria direita escolheu».

Afirmações que mereceram o mais firme repúdio do líder parlamentar comunista, Bernardino Soares, com este a afirmar, em declarações aos jornalistas logo após a rejeição do PEC, que «coligação negativa é a que o PS e PSD têm tido, muitas vezes com o CDS/PP, para aprovar sucessivos PEC». E depois de considerar que são eles «os responsáveis pela situação que se vive hoje no País», fez notar que «se há incoerência na rejeição» não é seguramente da parte do PCP mas sim «daqueles que têm apoiado estas linhas de rumo».

 

Chantagem

 

Antes porém de optarem pela vitimização, o que as bancadas do PS e do Governo exploraram foi o discurso do medo, da inevitabilidade, da inexistência de alternativa ao PEC e às suas medidas.

Bernardino Soares, reagindo à intervenção do ministro das Finanças, a quem coube abrir o debate, apelidou-o de «discurso da chantagem», acusando Teixeira dos Santos de ter repetido «pela enésima vez: ou a aprovação ou o caos, tem de ser, porque os mercados e as instituições assim o exigem e o Governo assim quer fazer».

Jerónimo de Sousa refutou também esta postura do Governo, lamentando que o primeiro-ministro venha «armar-se em vítima quando quem está a ser vitimado e injustiçado é a maioria do povo português».

E repudiou o que para si é um «falso dilema» criado pelo Executivo – «ou este PEC com estas medidas ou será o caos e o desastre nacional» –, lembrando que há uma alternativa a esta política de direita que em sua opinião «está esgotada».

Outra ideia muito enfatizado pelo PS e refutada abertamente pelo PCP foi a de que o chumbo do PEC abre as portas a uma grave crise. «A crise não começa hoje, ao contrário do que o Governo quer fazer crer. Para os portugueses, já começou há muito e é resultado da aplicação das medidas de direita que pelos vistos outros querem perpetuar», sublinhou o presidente da formação comunista, rejeitando simultaneamente que possa agora vir falar-se de «instabilidade» quando essa há muito afecta a vida das pessoas e seria ainda mais agravada com o programa de recessão inscrito no PEC IV.

 

Silêncio conveniente

 

Quem não escapou igualmente às críticas da bancada comunista durante o debate foi o PSD. Pela voz de Manuela Ferreira Leite, foi visível o propósito de não tocar nos conteúdos concretos do PEC, resumindo-se todo o discurso à questão da perda de credibilidade e de confiança no primeiro-ministro e no seu governo.

Postura muito verberada pelo deputado comunista Honório Novo e que levou Bernardino Soares a observar que, pelo lado do PSD, «nem apresentam alternativa nem querem dizer o que é que trazem para este debate».

O Secretário-geral do PCP também não deixou escapar o facto de o projecto de resolução apresentado pela bancada laranja ser «farto na crítica mas estéril quanto às medidas alternativas», não vendo nada de inocente na postura: «não diz porque não quer que se saiba, não vão os portugueses perceber que saltando da frigideira correm o riscos de cair no lume».


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Outro rumo

 

Provado pela bancada do PCP no debate foi também que o nosso País «não está condenado ao atraso nem à perda de soberania». De algumas dessas linhas orientadoras susceptíveis de dar corpo a uma política alternativa falou o Secretário-geral do PCP, apontando, desde logo, o aproveitamento das potencialidades nacionais com a promoção do aparelho produtivo e da produção nacional, que considerou um «factor essencial para criar mais emprego».

O reforço do investimento público e alargamento dos serviços, o fim das privatizações e a recuperação pelo Estado do controlo estratégico da economia constituem outras tantas direcções defendidas pelo PCP, que insiste, por outro lado, na necessidade imperativa da reforma do sistema fiscal, numa outra repartição da riqueza que valorize os salários e as pensões, bem como na recuperação da soberania económica, orçamental e monetária.

E Jerónimo de Sousa não deixou de lembrar que, «mesmo em relação à nossa dívida, é produzindo mais que deveremos menos».

 

Tubarões

 

Uma vez mais rebatido com veemência pelos deputados do PCP foi o embuste alimentado pela propaganda governamental de que os sacrifícios tocam a todos. Nada mais falso, como atesta o facto de os «interesses, os privilégios e os lucros dos poderosos se manterem intocáveis». Jerónimo de Sousa não deixou de o sublinhar, exemplificando com os lucros fabulosos da PT ou da banca, sem a tributação que seria justa e devida.

Isenção de que beneficia o capital financeiro e os grandes grupos económicos que foi de resto uma das questões colocadas pela bancada do PCP com mais insistência ao ministro das Finanças. Este, justificando-se, na réplica a Bernardino Soares (que já não pôde redarguir), disse que «são precisos os ovos de todos e eu não quero matar as galinhas. A política do senhor deputado é que não se importa de matar as galinhas na ânsia de querer comer todos os ovos de uma vez».

A resposta veio depois, pondo as coisas no lugar, no final, pela voz de Jerónimo de Sousa, dirigindo-se a Teixeira dos Santos: «Trocou o nome aos bichos; diz não querer matar a galinha mas o que não quer é fazer frente aos tubarões».

 

Brutalidade

 

Mais congelamento e desvalorização dos salários, incluindo o salário mínimo nacional, ainda maior desvalorização das pensões e reformas, redução dos direitos dos trabalhadores (nomeadamente com o facilitar e embaratecer dos despedimentos), eis alguns dos ingredientes do PEC IV que mostram bem a natureza das opções que têm norteado o PS.

A merecer o mais vivo repúdio do PCP estiveram ainda medidas como as novas reduções na comparticipação nos medicamentos, novos cortes no subsídio de desemprego e noutros apoios sociais, sem falar nos cortes cegos nos serviços públicos, na saúde e na educação.

A alienação do património público empresarial, os cortes no investimento e nas transferências para o poder local, os aumentos do IVA foram igualmente rejeitados pelo PCP.

 

 



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