Comentário

O espectro, o medo e o futuro

João Ferreira

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Anda um espectro pela Europa. O espectro percorre latitudes e longitudes diversas: do Báltico ao Mar Egeu, do Mediterrâneo ao Mar do Norte, do Mar Negro ao Atlântico. Milhões de homens, de mulheres e de jovens, com graus muito diversos de desenvolvimento e de amadurecimento da sua consciência social e política, engrossam uma corrente de protesto e de luta que se vai erguendo no velho continente. Reagem a ataques brutais às suas condições de vida e de trabalho; ataques que, na maioria dos casos, não encontram paralelo, pela sua intensidade, nas suas memórias e trajectos de vida.

Um olhar breve pelas páginas do Avante! das últimas semanas mostra-nos aquilo que a comunicação social dominante (porque ao serviço das classes dominantes) se tem esforçado por ocultar: que há vida e luta para lá da farsa que em Portugal se montou em torno do Orçamento do Estado para 2011. Em Portugal e não só.

Espanha, França, Bélgica, Alemanha, Itália, Grécia, Chipre, Roménia, República Checa, Polónia, Lituânia, Letónia, Finlândia, Reino Unido (incluindo Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) e Irlanda: em todos estes países, os meses de Setembro e de Outubro ficaram assinalados por formas diversas de luta dos trabalhadores – greves, protestos, paralisações, concentrações ou manifestações.

À semelhança do que sucedia em meados do século XIX, «os poderes da velha Europa» agitam-se, inquietos, perante este espectro. Sabem que estão a esticar a corda, a um ponto que ameaça ultrapassar o seu limite de resistência. Sabem que estão a expor, de forma cada vez mais evidente, o carácter opressor e predatório do sistema que defendem e que os mantém, a sua natureza exploradora e injusta e, sobretudo, os seus limites, contradições e irracionalidade intrínsecas. E tomam as medidas que julgam necessárias para manter no futuro um sistema historicamente condenado, que não tem futuro, mas que pode ainda causar incontáveis sofrimentos à humanidade e perigosos estragos no planeta que habitamos.

À resistência e à luta dos trabalhadores e dos povos opõem o vasto e diversificado arsenal comunicacional, que ajuda a compor o poderoso aparelho ideológico ao serviço do sistema, visando semear a resignação e o conformismo. Mas se esta resistência, mesmo assim, não puder ser vencida no quadro do «normal» funcionamento de um regime «democrático», toma-se medidas adicionais. Afinal de contas, só pela via da força se podem impor certos retrocessos sociais. E o capital sabe-o. Inserem-se nesta linha, que vem sendo prosseguida ao nível da União Europeia: a ofensiva institucional que visa amputar ainda mais parcelas de soberania aos estados e concentrar ainda mais poder nas grandes potências, com a Alemanha à cabeça; o aprofundamento do militarismo e dos aparelhos repressivos; as diversas tentativas de criminalização da luta e do protesto, de que o anticomunismo é expressão inquietante e indissociável, para além de muito actual (ainda os ecos da atribuição do Nobel da Paz ao chinês Liu Xiaobo não cessaram e aí temos o anúncio da atribuição, pelo Parlamento Europeu, do prémio Sakharov 2011 ao cubano Guillermo Fariñas).

Mas a verdade é que nada disto parece ser suficiente para apaziguar o frémito de medo que percorre os senhores da velha Europa, que os agita e indispõe. Esse frémito deve-se afinal ao mesmo espectro que há 160 anos já por cá andava. Deve-se ao medo que têm de que os trabalhadores que hoje se erguem na luta por essa Europa fora, mais cedo ou mais tarde, compreendam que o alcance dessa luta será sempre curto se limitado apenas a objectivos mais imediatos e se confinado aos limites impostos pelo sistema económico e social vigente. Deve-se ao medo de que o desenvolvimento da consciência, da organização, da unidade e da combatividade dos trabalhadores, coloque, mais cedo ou mais tarde, como um objectivo de luta uma mudança das relações sociais de produção e a necessária ruptura com o capitalismo – a sua indispensável superação.

 

Post scriptum:

 

No último Conselho Europeu, repetiu-se o triste espectáculo do enforcado erguendo a bandeira do carrasco. Num inqualificável dobrar de cerviz perante os senhores da velha Europa, o governo do PS de Sócrates e Amado, aceitaram (e defenderam!) as imposições que a Alemanha vem fazendo, no âmbito da chamada «governação económica europeia». A serem levadas à prática, estas imposições traduzir-se-ão, no futuro, numa ainda maior vulnerabilidade da nossa economia e num pretexto para renovados ataques aos trabalhadores e ao povo português.



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