Comentário

Pobreza e rendimento mínimo

Ilda Figueiredo

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Es­tamos no se­gundo se­mestre do Ano Eu­ropeu de Luta Contra a Po­breza, e, pro­va­vel­mente, a União Eu­ro­peia atingiu o nú­mero mais ele­vado de pes­soas em si­tu­ação de po­breza, nesta União Eu­ro­peia onde os lu­cros de grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros con­ti­nuam a subir es­can­da­lo­sa­mente e onde as de­si­gual­dades na re­dis­tri­buição dos ren­di­mentos não param de au­mentar.

Mesmo usando os cri­té­rios do Eu­rostat e os úl­timos dados ofi­ciais pu­bli­cados em 18/​01/​10 sobre «Con­di­ções de vida em 2008», po­demos cons­tatar que a taxa de risco de po­breza se si­tuava em 17 por cento a nível da União Eu­ro­peia, usando um li­miar de po­breza que cal­culam com base em 60 por cento do ren­di­mento me­diano na­ci­onal de cada Es­tado, já de­pois das trans­fe­rên­cias so­ciais (pen­sões e re­formas, sub­sí­dios de de­sem­prego e apoios so­ciais di­versos).

Para Por­tugal, esse li­miar situa-se em cerca de 420 euros men­sais, mas, já nessa época, a taxa de risco de po­breza era de 18 por cento, sendo que, nas cri­anças e jo­vens com menos de 18 anos, a taxa atingia os 23 por cento, nos idosos com 65 ou mais anos es­tava nos 22 por cento e para os tra­ba­lha­dores com em­prego che­gava aos 12 por cento. O que também de­monstra que a pro­li­fe­ração do tra­balho pre­cário e mal pago au­menta o nú­mero dos tra­ba­lha­dores que não con­se­guem ga­nhar o su­fi­ci­ente para sair da si­tu­ação de po­breza. Em Por­tugal, o ren­di­mento so­cial de in­serção e al­gumas pen­sões são in­fe­ri­ores a me­tade do li­miar de po­breza, pelo que se li­mitam a ate­nuar a po­breza ex­trema mas não re­solvem o pro­blema da po­breza re­la­tiva.

Ou­tros in­di­ca­dores so­ciais do pró­prio Eu­rostat sobre a cha­mada taxa de pri­vação ma­te­rial, re­ve­lavam que, também nesse ano, em Por­tugal, essa taxa era de 23 por cento, en­quanto na Es­panha era de apenas nove por cento. E, por exemplo, quanto à per­cen­tagem da po­pu­lação que não tinha meios para um aque­ci­mento ade­quado da casa, em Por­tugal a per­cen­tagem era de 35 por cento, en­quanto em Es­panha era de cinco por cento.


120 mi­lhões de po­bres


Com o agra­va­mento do de­sem­prego e as po­lí­ticas anti-so­ciais não é di­fícil con­cluir que todos aqueles dados se agra­varam, par­ti­cu­lar­mente em Por­tugal. Neste mo­mento, a nível da União Eu­ro­peia, cuja po­pu­lação ul­tra­passou os 500 mi­lhões de ha­bi­tantes, po­de­remos ter cerca de 120 mi­lhões de pes­soas ame­a­çadas de po­breza, como, aliás, na reu­nião de 7 de Julho, os mi­nis­tros dos As­suntos So­ciais da UE ad­mi­tiram.

Se per­sis­tirem nas po­lí­ticas que estão a pra­ticar, o Ano Eu­ropeu de Luta Contra a Po­breza fi­cará tris­te­mente as­si­na­lado pelos mai­ores ní­veis de po­breza das úl­timas dé­cadas em di­versos países da União Eu­ro­peia, com des­taque para Por­tugal e vá­rios da Eu­ropa de Leste, onde foram des­truídos parte dos apoios so­ciais que havia antes da adesão à União Eu­ro­peia e onde pros­segue, igual­mente, um ataque a apoios so­ciais e a ser­viços pú­blicos em áreas fun­da­men­tais para o com­bate à po­breza, como a saúde, a edu­cação e cul­tura, a se­gu­rança so­cial, a água e o pró­prio alo­ja­mento so­cial, que de­veria in­cluir o acesso à energia.

Nesta área me­rece des­taque o re­la­tório que se aprovou na Co­missão do Em­prego e As­suntos So­ciais do Par­la­mento Eu­ropeu sobre «O papel do ren­di­mento mí­nimo na luta contra a po­breza e a pro­moção de uma so­ci­e­dade in­clu­siva na Eu­ropa», de que fui re­la­tora. Aí su­blinha-se, de­sig­na­da­mente, que a po­breza e a ex­clusão so­cial são vi­o­la­ções dos di­reitos hu­manos e que o ob­jec­tivo cen­tral dos sis­temas de ajuda ao ren­di­mento deve visar a saída da po­breza, o que exige me­didas con­cretas: cri­ação de em­prego com di­reitos, acesso a ser­viços pú­blicos e de pro­tecção so­cial, re­dis­tri­buição dos ren­di­mentos e cri­ação de um ren­di­mento mí­nimo em cada Es­tado-membro que tenha por base o valor do li­miar de po­breza. O que im­plica ga­rantir a in­te­gração de ob­jec­tivos so­ciais nas po­lí­ticas ma­cro­e­co­nó­micas, tor­nando-os parte in­te­grante da es­tra­tégia para sair da crise, através da re­de­fi­nição das pri­o­ri­dades e das po­lí­ticas, no­me­a­da­mente das po­lí­ticas ma­cro­e­co­nó­micas, de­sig­na­da­mente mo­ne­tá­rias, de em­prego e so­ciais, do Pacto de Es­ta­bi­li­dade, das po­lí­ticas de con­cor­rência e do mer­cado in­terno, das po­lí­ticas or­ça­men­tais e fis­cais e da pró­pria es­tra­tégia «Eu­ropa 2020». No pró­ximo mês de Ou­tubro te­remos o de­bate e vo­tação deste re­la­tório na sessão ple­nária do Par­la­mento Eu­ropeu. Será o mo­mento de ver se a mai­oria dos de­pu­tados aceita in­sistir junto da Co­missão Eu­ro­peia e do Con­selho na cri­ação de um me­ca­nismo efec­tivo que con­sagre um ren­di­mento mí­nimo eu­ropeu, ba­seado no li­miar de po­breza de 60 por cento do ren­di­mento me­diano de cada Es­tado-membro, sempre no res­peito do prin­cípio da sub­si­di­a­ri­e­dade, da es­pe­ci­fi­ci­dade das le­gis­la­ções na­ci­o­nais e dos sis­temas de con­tra­tação co­lec­tiva, mas com força ju­rí­dica equi­va­lente às res­tantes po­lí­ticas ma­cro­e­co­nó­micas. Será uma opor­tu­ni­dade para ga­rantir que o Ano Eu­ropeu de Luta contra a Po­breza não seja apenas um fogo-fátuo.

 



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