«Quem não tem vergonha, todo o mundo é seu ...»
Quando se considera a visita oficial de quatro dias que Bento XVI fez a Portugal; quando se sabe, como é evidente, que um país periférico e pobre como o nosso é um joguete nas mãos daqueles que vivem da miséria alheia e da exploração dos trabalhadores; quando numa realidade social como esta o poder político e o poder financeiro caem nas mãos de mentirosos e de exploradores; quando, finalmente, a visita do Papa prova, de uma vez por todas, que a Igreja católica representada pelo Vaticano é cúmplice assumido e sócio oculto dos negócios do grande capital... teremos então encontrado as verdadeiras razões por que Ratzinger escolheu estar presente em Portugal para desse modo abençoar tacitamente o agravamento do saque a que Sócrates e os seus ministros submetem o nosso povo. Não se fale em religião mas em obscurantismo. E não permita o povo o retorno aos tempos do «Deus, Pátria e Família» ou do «Produzir e poupar». Salazar impunha então, por detrás de uma fachada católica, a unidade na servidão e a feroz exploração dos trabalhadores. Era a consagração de uma igreja fascista apoiante de um capitalismo selvagem. Enriquecer exigia dominar, fazer trabalhar de sol a sol, cortar nos salários, impor ao povo a cedência dos seus direitos. Rezar,significava resignação e impotência fatalista. Ignorância,era o elo mais forte das grilhetas que manietavam o povo e o sujeitavam à tirania dos poderosos.
Estaremos a um passo do regresso a esta situação? Há indícios seguros que sim. A visita oficial de Bento XVI é a prova provada de que a Igreja institucional despe a capa da santidade e adere de alma e coração às políticas reaccionárias que conduzem o nosso povo à miséria e ao cataclismo final. A Igreja continua a desempenhar o seu papel histórico de «ópio do povo».
Os «milagres» de Fátima
Desde sempre, os «mistérios» de Fátima foram a par com a ascensão do fascismo. A chamada Aparição da Senhora «mais branca do que o Sol» serviu-se da construção de um mito para transmitir aos povos uma mensagem política altamente reaccionária: visão do inferno e pedido de consagração da Rússia bolchevique e do «sofrimento» dos papas e dos povos causado pelo ateísmo militante. Para responderem positivamente às invocações de Maria, os crentes deviam colocar-se à margem das reivindicações, obedecendo às palavras de ordem celestiais de «penitência» e «oração» (rezas à Santíssima Trindade, ao Imaculado Coração de Maria, ao desfiar do terço, etc.). Segundo os textos da Igreja portuguesa, campeava então em Portugal a fúria maçónica e jacobina e a Igreja sofria… Na Rússia, triunfava o comunismo marxista «que veio a revelar tendências imperialistas». Firmara-se concordatas com os estados fascistas. Então, reza a doutrina, «a fé removeu montanhas», esses riscos foram debelados e a influência divina reposta. A Igreja reafirmou-se apolítica: o Mistério e o Sacramento não se imiscuem nos negócios humanos: contemplam e rezam. O que não impediu o Vaticano de se revelar como o mais poderoso baluarte do capitalismo.
Agora, em plena crise capitalista e certamente pressionado pela presente situação catastrófica da economia e pelos estrondosos insucessos da «globalização», o astuto Ratzinger entrou em contradição com a solidez da lógica teológica católica. A teologia eclesial regista que a Igreja está no mundo para evangelizar. A sua missão é divina e intemporal. Não é política, financeira, nem sequer economicista.
Mas em Lisboa, de visita a Portugal, o Papa, certamente pressionado pelas dimensões da crise e pelos negócios em curso entre o Estado português e o Vaticano, mudou de ideias e apelou à intervenção activa dos católicos em áreas como «a família, a cultura, a economia e a política», delegando no cardeal-patriarca português o cuidado de tranquilizar os potenciais concorrentes: «Não tiraremos o lugar a ninguém»... Tudo paleio de comerciantes.
A etapa histórica em que estamos rapidamente a entrar é de colisão frontal entre os interesses instalados. Não sobra muito o espaço para cortesias. Só uma via transforma a sociedade e constrói o futuro: a da luta de classes. É esta a perspectiva que o eixo igreja/capital procuram a todo o custo eliminar.
Entre os trabalhadores sobe de nível a consciência de que assim é. Só uma política pode responder à progressiva violência cometida pelo grande capital contra a força dos trabalhadores: cerrar fileiras, lutar, resistir e vencer!