De Ramallah a Bagad...

Ângelo Alves

A guerra do Iraque não só não resolveu nenhum problema como é causa e catalisador de injustiças, violência e ódio

Há um ano, a 10 de Outubro de 2002, a Câmara de Representantes dos EUA aprovava uma resolução autorizando a Administração Bush a desencadear uma guerra contra o Iraque. Uma guerra que nas palavras dos seus mentores serviria para: eliminar as armas de destruição massiva do Iraque; democratizar o país; devolver o poder ao seu povo afastando Saddam; estabilizar o Médio Oriente; resolver o conflito palestiniano; acabar com o apoio de regimes ditatoriais ao terrorismo; eliminar o tráfico de armamento. Do petróleo e domínio geo-estratégico nem uma palavra.

Vejamos então qual o quadro, passado um ano:

Terrorismo e armas – As armas de destruição massiva não apareceram! Um relatório em elaboração pelos próprios norte-americanos prepara-se para o admitir. O terrorismo nas suas diversas formas está a ser praticado e fomentado pelos ocupantes. Ao mesmo tempo descobrem-se nos EUA as “doações” de centenas de milhares de dólares do FBI ao Hamas! O mesmo Hamas cujos atentados servem de justificação para que Israel prossiga o terror na Palestina com o apoio dos EUA.
Entretanto, os EUA multiplicam o número de bases militares no estrangeiro e um relatório conjunto de várias organizações (entre as quais a Amnistia Internacional) conclui que “o comércio de armas está fora de controlo” e que os EUA e a Grã Bretanha incrementaram as suas exportações de armamento, nomeadamente para os nada democráticos Paquistão, Indonésia e Filipinas.

Palestina – O Exército Israelita intensifica a ocupação dos territórios palestinianos. O recente e autêntico massacre em Rafah provocou até agora cerca de 10 mortos, mais de setenta feridos e destruiu 100 casas deixando 1500 pessoas sem abrigo. Desde Setembro de 2000 as vítimas mortais dos ataques israelitas são já 2700. Israel intensifica com milhares de reservistas a opressão militar e o encerramento dos territórios ocupados. Cerca de 2,5 milhões de pessoas vivem neste momento cercadas, sem se poderem deslocar. O muro sionista que isola várias zonas palestinianas e anexa outras a Israel continua a ser construído.

Médio Oriente – Israel efectua a mais grave incursão aérea, em 30 anos, em território sírio. A Síria recorre à ONU afirmando a sua vontade de paz. Israel riposta afirmando que atacará os seus inimigos onde quer que eles estejam e estende as ameaças ao Irão. Paralelamente, os EUA conseguem que a Turquia decida o envio de 10.000 militares para o Iraque numa manobra que ninguém sabe que explosivas consequências terá no reavivar de conflitos históricos na região. Do outro lado do Iraque o Irão responde duro às ameaças dos EUA e de Israel, e o Paquistão, aliado e refém dos EUA, tenta, na Organização da Conferência Islâmica, fazer aprovar uma resolução que lhe permita enviar, a pedido de Bush, tropas para Bagdad. Os EUA buscando mercenários para o apoio à ocupação abalam os mais que difíceis equilíbrios regionais e preparam-se para transformar o Iraque e a região num caldeirão de violentos conflitos e contradições prestes a explodir.

Iraque – os dias de ocupação, divididos por dois, correspondem a mortes de soldados norte-americanos. As dificuldades de controlo da situação são mais que evidentes. Um governo fantoche de carácter consultivo é criado numa operação de cosmética. A resistência à ocupação cresce e as grandes manifestações populares são reprimidas a tiro. E os ataques suicidas começam a acontecer em Bagdad. E as pedras contra tanques chovem em Bagdad. E os funerais são manifestações contra os ocupantes. Bagdad e Ramallah: as mesmas imagens para situações semelhantes.

O quadro é deveras preocupante. A guerra do Iraque não só não resolveu nenhum problema como é causa e catalisador de injustiças, violência e ódio. O governo português ao decidir enviar um contigente da GNR para o Iraque está a contribuir para este caos. E é este caldeirão de violência que a ONU poderá legitimar se a nova resolução apresentada pelos EUA for aprovada no Conselho de Segurança.
É contra tudo isto que iremos participar na acção pela paz e contra a ocupação do Iraque, a 25 de Outubro, no Largo de Camões.


Mais artigos de: Opinião

Resoluções

Em poucos dias, o governo dos EUA apresentou três versões diferentes de uma resolução sobre o Iraque, aos seus parceiros no Conselho de Segurança da ONU. Evidentemente, nenhuma delas obteve o acordo desses parceiros, com relevo para a França, Rússia e Alemanha. Aliás, esta terceira versão dos EUA sobre o Iraque foi...

Música? Moda? Revolta

Punks já se vêem poucos. Têm em comum a aparência e sem ela não chocam, não confrontam. Alguns dos que restam aderiram mais tarde porque a idade não lhes permitiu chegar a tempo.

Perigos reais

Aqui se disse em Fevereiro que a situação decorrente das prisões então sucedidas na investigação a presumíveis crimes de lenocínio de menores e pedofilia na Casa Pia, da mediatização esmagadora e da resultante comoção massificada de condenação ou inocentação na praça pública, representavam para o sistema judicial fundado...

Deprimidos

A depressão, apresentada como a doença de massas dos nossos dias, parece ter tomado conta do país. Se deprimidos com esta política andarão os portugueses, mais deprimidas se encontram algumas regiões do país. Pelo que se vê não há discurso do Primeiro Ministro, por mais optimista que seja, capaz de dar conta dos...

Decoro e bom senso

O título não respeita a nenhum filme, embora não faltem para aí fitas, cada uma mais escabrosa do que a outra, no que se convencionou a nossa vida política e social. Quem de fora nos visite ou se dê ao trabalho de seguir as intervenções dos três «principais partidos» nacionais não poderá deixar de ficar perplexo. As...