A roupa interior do «bloco central»

Aurélio Santos
Manobrado pelo PS, ansiado pelo PSD, sentido como afirmação de poder para o PR, esperançoso para o sempiterno disponível CDS, conveniente nas contas do alto patronato – o novo bloco central aí está.
Uma articulada campanha de marketing preparou-o, mastigando até à náusea um longo rosário de frases feitas:
- «A crise atinge-nos a todos e todos temos de fazer um esforço para a superar<» - afirmam os senhores do alto Capital.
- «A solução única para saída da crise é todas as forças seguirem essa solução - diz Cavaco Silva numa tradicional declaração de Presidente da República.
- «Salvar o sistema financeiro é a primeira das prioridades» - proclamou desde início o Governo.
- «Os trabalhadores têm de aceitar trabalhar mais com menor salário e menos direitos, ou ficam sem emprego» - sentenciam sisudos economistas de cartola.
- «Estamos a gastar acima das nossas possibilidades» - asseguram outros atirando a responsabilidade para o povo.
- Também alguns, proclamando-se arautos do «regresso a Marx» deixam no cesto dos papéis a teoria da mais-valia e a luta de classes para proporem o regresso a um keynesianismo mitigado.
Com o ruir do dogma do «mercado que se auto-regula» é caso para perguntar: onde estão agora os gurus do neoliberalismo? Que antes da crise falavam da «boa saúde» dos mercados?
Outras perguntas podem também ser formuladas:
«Todos temos de lutar contra a crise»: mas os interesses, objectivos e soluções do patronato, do Governo e dos trabalhadores são os mesmos?
«É preciso salvar o capitalismo»: mas salvá-lo de quê? não são as crises inerentes ao sistema? Não estamos vendo como a crise é pretexto para um brutal ataque aos trabalhadores, para cortar nas funções sociais do Estado, diminuir salários, pensões e reformas?
Esta política de bloco central passa em claro uma questão fundamental: convergência, união de esforços - em nome de quê, em defesa de quais interesses? Os da minoria que o governo protege ou os da imensa maioria por eles espoliada?
De facto, a «convergência» pedida visa apenas garantir a continuação da mesma política. Mesmo quando faz inócuas concessões que não respondem ao amplo e profundo descontentamento e sofrimento popular, tratando os direitos sociais não pelo seu perfil jurídico de pleno direito, mas como «carências» que é preciso «ajudar» - concedendo-lhes alguns auxílios «possíveis».
Este bloco central é uma solução antidemocrática que parte da falácia de que há partidos com «vocação de poder».
Na sua crispação para não perder o lugar estes partidos, que são reféns do grande poder económico, adquirem uma natureza parasitária do poder político, incapaz de elaborar e rasgar novos rumos, para enfrentar os desafios necessários ao País, de encarar o futuro com a coragem cada vez mais exigente que as dificuldades impõem.


Mais artigos de: Opinião

Por mor do défice

Eles não estão de acordo, não estão satisfeitos e se estivessem no governo fariam mais e melhor, mas tendo em conta o «interesse nacional» vão viabilizar o Orçamento do Estado para 2010. Eles são os dirigentes do CDS e o PSD, que depois de muitos funfuns e gaitinhas, de muitas aparentes hesitações, e de muitos encontros...

Conceitos fundamentais

Num momento em se apresenta e se discute o Orçamento Geral do Estado, existe um conjunto de conceitos que importa dominar, pois só assim será possível descodificar a autêntica novela que tem ocupado os últimos dias, num corropio de reuniões e encontros de longas horas e em diferentes locais, que envolvem PS, PSD e CDS.

Orçamento de direita

A proposta de Orçamento do Estado agora apresentada pelo Governo PS na Assembleia da República veio confirmar que PS, PSD e CDS, uma vez em causa a continuidade da política de direita, não hesitam em dialogar, concertar e convergir. São os superiores interesses de classe a falar mais alto e a ditar que, em 2010, é...

Invasão «humanitária»

A dimensão da tragédia no Haiti tem a marca de classe. O grau de destruição e o número de mortos na cidade de Port-au-Prince resulta directamente da enorme concentração populacional na cidade, resultado directo do êxodo em massa de trabalhadores rurais Haitianos vítimas da destruição do sector agrícola deste país por via...

O novo colonialismo

As potências do mundo capitalista e os seus satélites decidiram realizar em Londres uma conferência sobre o Afeganistão, um dos estados agredidos pelo exército norte-americano e pela NATO após o 11 de Setembro de 2001. Para o povo afegão o balanço da ocupação militar é catastrófico. Os sofrimentos e massacres cada vez...