Quem apoiou Barroso?
Com o voto favorável de 53 por cento dos deputados do parlamento europeu (sim, foi esta a dimensão da «retumbante» vitória, que lhe dá o reclamado «mandato reforçado»), Durão Barroso viu o seu nome ser aprovado pelo Parlamento Europeu para mais cinco anos à frente da Comissão Europeia.
No rescaldo do debate e da eleição que se lhe seguiu, e a poucos dias de eleições legislativas em Portugal, vale a pena alinhar algumas brevíssimas reflexões sobre o assunto…
O programa.(1) As orientações programáticas para os próximos cinco anos representam uma clara reafirmação dos eixos essenciais das políticas levadas a cabo no mandato que agora cessa. A inabalável crença nas virtudes do mercado interno, no seu aprofundamento, derrubando as (ténues) barreiras que persistem; a concorrência como princípio sagrado e intocável; a liberalização do comércio internacional e a «recusa de todas as formas de proteccionismo económico». O mercado como solução até para os problemas ambientais que afligem a humanidade, com o comércio de emissões de carbono sendo apresentado como instrumento para a «liderança no combate às alterações climáticas».
A crise e o «social». Aconselha o pudor, poucochinho que seja, que, perante a crise, tão desabrida profissão de fé no mercado tenha forçosamente que ser, aqui e ali, matizada por uma conveniente retórica social. A retórica da «coesão social», da «luta contra o desemprego», dos «direitos sociais de base» (curiosa formulação esta… A este respeito, diz o programa de Barroso: «Não permitiremos que direitos sociais de base, como o direito de associação ou o direito à greve, sejam comprometidos». Anote-se e registe-se, desde já, para que vá a pulga ficando atrás da orelha, enquanto não chega a hora de novos e reforçados ataques ao que resta dos direitos sociais… de topo!).
A desresponsabilização. Sócrates fala da crise que veio de fora, da qual não teve nenhuma culpa, antes e só a virtude de lhe mover um decidido combate. O mesmo faz Barroso, que diz que a crise veio dos EUA e da irresponsabilidade dos gestores dos seus bancos. E que logo avança com a solução para evitar futuras «irresponsabilidades»: «regulamentação financeira», «inteligente» e «responsável». Palavras que pontuam o programa, sem que por uma só vez se explicite o seu sentido. Há porém uma palavra que não surge uma única vez no programa de Barroso: offshores.
O tríptico. À abnegada defesa da «economia social de mercado», junta-se a reiterada defesa do «tratado de Lisboa», que permitirá «abrir uma nova era na projecção dos interesses da Europa a nível mundial». Para além das alterações que introduzirá no «processo decisório», que darão «capacidade institucional para agir». Eis uma vez mais, para que não subsistam dúvidas, o tríptico que sintetiza todo um programa político: neoliberalismo, federalismo, militarismo.
O interesse nacional. Para nós, a sua defesa exige uma permanente avaliação das consequências das políticas comunitárias no plano nacional. É na base dessa avaliação – seja na agricultura, nas pescas, na indústria, ou noutras áreas – que consideramos que a eleição de Barroso, defensor da manutenção das políticas da UE em todas estas áreas, não representa a defesa do interesse nacional. Pelo contrário. A este exercício de genuíno apuramento e defesa do interesse nacional, alguns já chamaram «egoísmo nacional». São os mesmos que entendem ser de «vital importância», para a defesa do interesse nacional, a eleição de um presidente da comissão português, independentemente do seu programa e acção. Os mesmos (PS, PSD e CDS) que, na semana passada, tendo tido oportunidade de votar favoravelmente um conjunto de medidas propostas pelo PCP, de apoio ao sector leiteiro – medidas de vital importância e de indiscutível interesse nacional – o não fizeram.
Os apoios reveladores. É incontornável que desta eleição se tirem ilações para as eleições em Portugal. Em especial, uma: o mesmo partido que agita o perigo do regresso da direita ao poder, que reclama a concentração em si dos votos da esquerda, que, recorde-se, há poucos meses atrás tinha um cabeça de lista que não se cansou de zurzir no fundamentalismo neoliberal da Comissão, é o mesmo partido que, agora, deu o seu apoio a Barroso e ao seu programa. Uma opção esclarecedora. E uma evidência mais do iniludível e estreito vínculo do PS com a política de direita.
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(1) http://ec.europa.eu/commission_barroso/president/pdf/press_20090903_PT.pdf
No rescaldo do debate e da eleição que se lhe seguiu, e a poucos dias de eleições legislativas em Portugal, vale a pena alinhar algumas brevíssimas reflexões sobre o assunto…
O programa.(1) As orientações programáticas para os próximos cinco anos representam uma clara reafirmação dos eixos essenciais das políticas levadas a cabo no mandato que agora cessa. A inabalável crença nas virtudes do mercado interno, no seu aprofundamento, derrubando as (ténues) barreiras que persistem; a concorrência como princípio sagrado e intocável; a liberalização do comércio internacional e a «recusa de todas as formas de proteccionismo económico». O mercado como solução até para os problemas ambientais que afligem a humanidade, com o comércio de emissões de carbono sendo apresentado como instrumento para a «liderança no combate às alterações climáticas».
A crise e o «social». Aconselha o pudor, poucochinho que seja, que, perante a crise, tão desabrida profissão de fé no mercado tenha forçosamente que ser, aqui e ali, matizada por uma conveniente retórica social. A retórica da «coesão social», da «luta contra o desemprego», dos «direitos sociais de base» (curiosa formulação esta… A este respeito, diz o programa de Barroso: «Não permitiremos que direitos sociais de base, como o direito de associação ou o direito à greve, sejam comprometidos». Anote-se e registe-se, desde já, para que vá a pulga ficando atrás da orelha, enquanto não chega a hora de novos e reforçados ataques ao que resta dos direitos sociais… de topo!).
A desresponsabilização. Sócrates fala da crise que veio de fora, da qual não teve nenhuma culpa, antes e só a virtude de lhe mover um decidido combate. O mesmo faz Barroso, que diz que a crise veio dos EUA e da irresponsabilidade dos gestores dos seus bancos. E que logo avança com a solução para evitar futuras «irresponsabilidades»: «regulamentação financeira», «inteligente» e «responsável». Palavras que pontuam o programa, sem que por uma só vez se explicite o seu sentido. Há porém uma palavra que não surge uma única vez no programa de Barroso: offshores.
O tríptico. À abnegada defesa da «economia social de mercado», junta-se a reiterada defesa do «tratado de Lisboa», que permitirá «abrir uma nova era na projecção dos interesses da Europa a nível mundial». Para além das alterações que introduzirá no «processo decisório», que darão «capacidade institucional para agir». Eis uma vez mais, para que não subsistam dúvidas, o tríptico que sintetiza todo um programa político: neoliberalismo, federalismo, militarismo.
O interesse nacional. Para nós, a sua defesa exige uma permanente avaliação das consequências das políticas comunitárias no plano nacional. É na base dessa avaliação – seja na agricultura, nas pescas, na indústria, ou noutras áreas – que consideramos que a eleição de Barroso, defensor da manutenção das políticas da UE em todas estas áreas, não representa a defesa do interesse nacional. Pelo contrário. A este exercício de genuíno apuramento e defesa do interesse nacional, alguns já chamaram «egoísmo nacional». São os mesmos que entendem ser de «vital importância», para a defesa do interesse nacional, a eleição de um presidente da comissão português, independentemente do seu programa e acção. Os mesmos (PS, PSD e CDS) que, na semana passada, tendo tido oportunidade de votar favoravelmente um conjunto de medidas propostas pelo PCP, de apoio ao sector leiteiro – medidas de vital importância e de indiscutível interesse nacional – o não fizeram.
Os apoios reveladores. É incontornável que desta eleição se tirem ilações para as eleições em Portugal. Em especial, uma: o mesmo partido que agita o perigo do regresso da direita ao poder, que reclama a concentração em si dos votos da esquerda, que, recorde-se, há poucos meses atrás tinha um cabeça de lista que não se cansou de zurzir no fundamentalismo neoliberal da Comissão, é o mesmo partido que, agora, deu o seu apoio a Barroso e ao seu programa. Uma opção esclarecedora. E uma evidência mais do iniludível e estreito vínculo do PS com a política de direita.
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(1) http://ec.europa.eu/commission_barroso/president/pdf/press_20090903_PT.pdf