A carroça, os bois e o fardo

Jorge Cordeiro
À falta de melhor, a questão da presidência da Comissão Europeia e de uma putativa recandidatura de Durão Barroso ao cargo, tem feito correr não pouca tinta. Observava alguém há poucos dias – perante a prematura discussão da coisa sem que se saiba qual a composição futura de um Parlamento Europeu que acabará por ditar a eleição para o cargo – que alimentar esta discussão agora é, recorrendo a uma expressão popular, como «pôr a carroça à frente dos bois».
Concordando-se com a observação, e não desvalorizando a ordem dos factores no que à carroça e a quem a puxa diz respeito para a boa ordem da marcha, anote-se que ela passa ao lado da questão essencial: o fardo que a dita transporta. Ou seja, entre o ruído produzido sobre o que a coisa representaria para o brio nacional e a profusa miríade de testemunhos em cumprir tão elevado desígnio, corre-se o risco de se perder o essencial: é que por detrás dos salamaleques entre PS e PSD e dos comoventes testemunhos de uns e outros sobre o que leva hoje um a apoiar o outro depois de o outro o ter feito, o que se esconde é uma profunda comunhão política, uma mesma e quase imperceptível distinção entre um modelo e uma aposta numa União Europeia federalista militarista e neoliberal. Mesmo que nesta troca de favores, ditada por um indistinto posicionamento político, os apoios do PSD a António Vitorino tenham ficado menos gravados na memória quando comparados com a sonoridade daquele «porreiro, pá!» com que Sócrates brindou Durão aquando do tratado de Lisboa.
Em nome deles próprios e dos seus interesses, e não do de Portugal como querem vender, a marcha comum de PS e PSD mantém um rumo ditado por uma União Europeia ao serviço do grande capital e das grandes potências onde soçobram a soberania e os interesses nacionais. Lestos em juras recíprocas sobre votos prometidos uns e outros em circuito privado parecem esquecer o voto que negaram aos portugueses para se pronunciarem sobre um tratado que assinaram à revelia destes. Relembrando que o que em torno desta e doutras questões se decide é, não de pessoas mas sim de políticas, sublinhe-se pois que mais importante que a ordem dos factores entre quem puxa e quem é puxado é, não só o que lá se carrega, mas sobretudo o sentido da marcha que urge inverter.


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