Os nomes e os bois

Filipe Diniz
Uma das dificuldades da luta política tem a ver com as palavras.
Para os políticos burgueses as palavras, os programas eleitorais, os discursos, as entrevistas, as promessas públicas são outros tantos meios, não de dizer o que querem e o que propõem, mas de o ocultar cuidadosamente. As razões são evidentes: se alguma vez lhes fugisse a boca para a verdade os seus eleitores reduzir-se-iam ao pequeno punhado de criaturas cujos interesses defendem.
Uma das palavras mais proferidas pelos trabalhadores ao longo dos últimos quatro anos é certamente a palavra mentiroso. É a altura de chamarmos a atenção para ela.
Porque uma questão que se deve colocar neste ano eleitoral é se o povo vai voltar a ter de a gritar nos próximos tempos. Se isso voltar a suceder é mau sinal. Quer dizer que uma parte dos eleitores se deixou novamente enganar.
Num dos seus textos sobre a situação em França Marx observa: «a questão não é se tal ou tal personagem traiu o povo. A questão é porque é que o povo aceitou ser traído por esse personagem». Recrudescem os esforços por parte do PS/Sócrates para voltar a vender como lebre «anti-neoliberal» o desastroso gato neo-liberal que durante quatro anos pôs no prato do povo português. Ou para o PSD se apresentar como «alternativa». Ou para outros presumirem de «forças dirigentes da esquerda». Ou para outros ressurgirem da sua hibernação quadrienal com a finalidade de sempre, a de confundir alguns eleitores com a foice e martelo que usurpam.
Por isso nenhum trabalhador que endereçou a palavra mentiroso se deveria esquecer não apenas de a quem a dirigiu, mas a que política e forma de agir a dirigiu.
Seria mais fácil se cada eleitor identificasse por detrás de cada palavra e de cada sigla as palavras certas. Se onde alguns dizem «governabilidade» identificasse prepotência e arbitrariedade. Se onde dizem «consciência social» identificasse exploração e sopa dos pobres. Se onde dizem «europa» identificasse multinacionais e subalternização nacional.
Se onde vem PS, PSD, CDS/PP identificasse apenas ppd (ou seja, partidos da política de direita).
Se onde vem «governo actual» identificasse comissão eleitoral do PS.


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