A cimeira da morte

Rui Paz

Os povos sabem que de ovos de crocodilo não nascem pombas da paz

Três dias antes do início da cimeira de Estrasburgo o professor afegão da província de Kost, Khasan Gul, referindo-se aos exércitos de ocupação estrangeira no Afeganistão, explicara no canal-TV Phönix como os comandos da NATO assaltam de noite as aldeias do seu país e assassinam famílias inteiras. As populações levam no dia seguinte os corpos de velhos, mulheres e crianças para Cabul para que todos vejam quem são «os terroristas» que a Aliança militar anda a matar. Khasan descreve as tropas da NATO como «selvagens que fazem o que querem» e conclui afirmando que «antigamente as pessoas eram contra os talibãs. Mas hoje, aquele tempo parece-lhes melhor comparado com a situação actual». Evidentemente que os media que fizeram a cobertura da cimeira de Estrasburgo esconderam estas atrocidades que o imperialismo vem celebrando há muito tempo. O diário alemão Die Welt (online. 03.04.09), porta-voz da ala mais direitista do partido da chanceler Ângela Merkel saúda a cimeira com um texto intitulado «A Europa concede a Obama mais soldados para o Afeganistão». O panegírico termina salientando que «o presidente Barack Obama incitou os europeus a aumentar a sua capacidade militar». «Ficaríamos muito satisfeitos de ver a Europa com uma capacidade de defesa muito mais reforçada», disse Obama numa conferência de imprensa com o presidente francês Sarkozy. O presidente norte-americano procurou mesmo instigar o pânico dizendo que «devido à situação geográfica a Europa é mais vulnerável ao terrorismo do que a América».

As labaredas e as espirais de fumo irrompendo das torres gémeas de Nova Iorque no 11 de Setembro, do edifício da Televisão de Belgrado atacado pela aviação da NATO durante a agressão contra a Jugoslávia, ou ainda da Duma bombardeada pelos tanques de Ieltsin sob os aplausos unânimes das potências do capitalismo mundial, assemelham-se não só no dramatismo das imagens mas também no seu carácter criminoso e terrorista. Tais acontecimentos ilustram bem o método escolhido pelo imperialismo para tentar instaurar a sua nova ordem mundial exploradora e opressora. O documento da Comissão Política do PCP «Pela Dissolução da NATO» é a reposição da verdade dos factos e a análise perfeita do papel da aliança militar do capital monopolista desde a sua fundação até hoje. A ignorância histórica e a cegueira face à realidade demonstradas por Obama nesta encenação de Estrasburgo não nos devem fazer esquecer, a nós portugueses, o «dia da raça» ou «10 de Junho» dos tempos em que o fascismo procurava fazer crer que o exército colonial era um instrumento da «paz» e da defesa de uma «civilização superior», a chamada «civilização ocidental».

A cimeira do militarismo fica marcada pelo esforço da nova administração norte-americana para reorganizar a hierarquia imperialista e integrar totalmente no festim da morte estados como a Alemanha e a França que devido às suas próprias ambições e por se sentirem secundarizados por George Bush no saque iraquiano têm mostrado alguma desconfiança em alinhar até aos mais ínfimos pormenores em tudo o que Washington decide. Já o governo de Sócrates não hesitou em anunciar o reforço da participação militar de Portugal na ocupação do Afeganistão. Mas os povos sabem que de ovos de crocodilo não nascem pombas da paz. Só a derrota definitiva do sistema imperialista permitirá repor a dignidade e a soberania dos povos e acabar definitivamente com o pesadelo belicista e as cimeiras da morte.


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