Jerónimo de Sousa sobre as medidas anunciadas pelo Governo

Dar com uma mão e tirar com as duas

José Sócrates foi ao Parlamento anunciar um pequeno grupo de medidas de apoio às famílias, reformados e desempregados. «O problema de fundo é que dá com uma mão o que antes tirou com as duas a quem menos tem e menos pode», considerou o Secretário-geral do PCP, para quem, não obstante o pendor «positivo» de algumas delas, tais decisões são «pontuais», pecando ainda por «insuficientes» e «tardias».

Aos poderosos o Governo garante os lucros e fortunas à vara larga

Esta foi a reacção de Jerónimo de Sousa às palavras proferidas momentos antes pelo primeiro-ministro no debate quinzenal na passada semana onde este anunciou, entre outras medidas, a possibilidade de os agregados familiares com crédito à habitação e com um dos seus elementos desempregado poderem aceder temporariamente (até 2011) a uma redução da prestação da casa, valor esse a acumular na dívida e que obrigatoriamente terá depois de ser pago com uma taxa de juro bonificada.
Uma maior comparticipação nos medicamentos genéricos para os pensionistas com reformas abaixo do salário mínimo nacional, o reforço da acção social escolar em famílias onde haja um desempregado e a criação do Provedor do Crédito foram outras tantas medidas anunciadas pelo chefe do Governo.

Tratamento desigual

Com a sua preocupação pelas famílias a despertar a seis meses das eleições, as medidas de José Sócrates foram acolhidas com cepticismo pelos partidos da oposição. O Secretário-geral do PCP não hesitou mesmo em considerar, aludindo à grandiosa jornada de luta realizada faz amanhã quinze dias, que depois de ouvir o primeiro-ministro percebe-se melhor por que é que este «não entende as razões fundas da revolta e descontentamento das 200 mil pessoas que livre e conscientemente se manifestaram numa das maiores acções depois do 25 de 1974».
Posta em evidência por Jerónimo de Sousa foi sobretudo a desigualdade de tratamento que tem marcado a acção do Executivo entre os que «menos têm» e os poderosos, lembrando, sobre estes últimos, como têm sido eles os únicos beneficiários de uma política que lhes garante os «lucros e fortunas à vara larga». Basta lembrar os 1 800 milhões de euros de dinheiros públicos já enterrados no BPN para o tentar salvar, para ver o sentido das opções do Governo e perceber o contraste com as migalhas agora libertadas para acudir a respostas sociais.
Ora foi para estas duas faces da realidade que o dirigente do PCP uma vez mais chamou a atenção, mostrando a flagrante diferença entre as benesses concedidas ao capital financeiro e aos grandes grupos económicos e, por outro lado, medidas altamente lesivas dos trabalhadores como foi, por exemplo, a alteração aos critérios de atribuição do subsídio de desemprego, cujos «efeitos nefastos» são conhecidos, como bem conhecidas são para a vida das famílias e reformados as consequências das medidas que «prejudicaram e contiveram os salários e o poder aquisitivo das famílias», que «desvalorizaram as reformas e o cálculo das pensões».
Foi com estas «questões de fundo», assim as classificou, que Jerónimo de Sousa confrontou o primeiro-ministro, lembrando-lhe que o Estado democrático não deve definir como prioridade «agir sobre a pobreza mas sim evitá-la, tomar medidas de fundo para que essa pobreza não aconteça».
O que levou Jerónimo de Sousa a desafiar o primeiro-ministro no sentido de este esclarecer o que pensa do estudo e de relatórios que comprovam que, em consequência das alterações ao sistema de Segurança Social, as reformas podem ter cortes de 30 por cento dentro de anos. «Como é que concebe estes relatórios? Correspondem ou não à verdade?», perguntou, antes de inquirir sobre as razões que levam o Governo a rejeitar a proposta do PCP no sentido de alterar os critérios de atribuição do subsídio de desemprego.

Fugir às questões

«Reflicta sobre esta questão e compreenderá porque razão os manifestantes têm a opinião que têm em relação à sua política», foi o repto lançado por Jerónimo de Sousa perante um primeiro-ministro que, em vez de responder às questões colocadas, como aliás é seu hábito, a elas fugiu descaradamente enveredando por uma tortuosa divagação sobre a bondade das medidas do seu Governo no sentido da criação de «uma nova geração de políticas sociais». Nelas incluiu a chamada reforma da Segurança Social para repetir a mistificação de que a mesma se destinou a evitar a sua alegada «ruptura iminente» e a garantir a defesa do «sistema público».

Nivelar por baixo

Jerónimo de Sousa, voltando a interpelar o chefe do Governo, não perdeu a oportunidade para lhe lembrar que nunca explicara aos portugueses por que é que nessa reforma da Segurança Social exigiu sacrifícios e cortes apenas a uma parte. «Nunca foi capaz de explicar porque rejeitou propostas, designadamente do PCP, em relação aos grandes grupos económicos, em relação aos lucros e às grandes fortunas no sentido de darem uma contribuição para a sustentabilidade do sistema e por que é que foram os reformados, os trabalhadores por conta de outrem a pagar exclusivamente estas alterações ao sistema de Segurança Social», sublinhou o dirigente comunista.
E sobre a unificação da idade de reforma no público e no privado, referiu que o problema não residia no facto de os trabalhadores da administração pública serem reformados com reformas altas, mas sim no facto de os trabalhadores do sector privado passarem à reforma com reformas baixas. Lembrou ainda que o PCP discordou da opção do Governo, considerando que este o que fez foi «nivelar por baixo, atingindo os trabalhadores da administração pública sem beneficiar os do privado».
Jerónimo fez igualmente notar ao primeiro-ministro que não fora capaz de invocar um único argumento para justificar a sua recusa à proposta do PCP de alargamento dos critérios de atribuição do subsídio de desemprego.
E sublinhou que há hoje muitos jovens que «não sabem o que fazer à sua vida», porque, sublinhou, «são os primeiros e principais atingidos pelas alterações do Governo à lei que regula os critérios de atribuição do subsídio de desemprego».

Fecho da Opel na Azambuja
Governo esconde decisão danosa

Matéria introduzida no debate pelo Secretário-geral do PCP foi também a do encerramento da fábrica da Opel na Azambuja e das negociações ocorridas entre o Governo e a administração. Para lembrar que depois de «o ministro da Economia ter enchido o peito de ar» a reivindicar uma indemnização de mais de 130 milhões de euros, veio agora afinal a saber-se que em Junho do ano passado foi decidido por um tribunal arbitral que Portugal apenas tinha direito a 17 milhões de euros, valor muito aquém dos compromissos assumidos pela multinacional com o Estado português. «Por que é que não veio à Assembleia da República, por que escondeu da opinião pública este acordo que prejudica a nossa economia e o País?», perguntou Jerónimo de Sousa, com José Sócrates, na réplica, a limitar-se a dizer que não se registara nenhum acordo entre as partes. O que houve, sim, foi «a decisão de um tribunal», esclareceu, dando-se assim por satisfeito por o Estado ter feito o que disse ser o «seu papel ao pedir uma indemnização por perdas e danos». De somenos, pelos vistos, parece ter sido para si o facto de a compensação ao Estado ter ficado muito aquém do valor justo e necessário.


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