A crise dá para tudo

Paulo Raimundo (Membro da Comissão Política)
De facto isto da crise dá para tudo. Só não dá é para todos! O Banco Central Europeu abre uma linha de crédito ilimitada para «socorrer» a banca. O Governo PS decide que disponibiliza 20 mil milhões de euros para ajudar a banca nacional, tantos milhões para desesperadamente tentar que tudo fique na mesma, ou seja, para os que entraram agora em crise rapidamente se livrem dela e para que a grande maioria da população, e os trabalhadores em particular, continuem a sua senda de crise permanente a bem dos interesses da estabilidade dos «mercados».

«Maldito» movimento sindical, que mobiliza e organiza os trabalhadores

Valeram a pena tantos sacrifícios dos portugueses que há décadas apertam o cinto. Agora sim, se compreende melhor o porquê de tanto rigor orçamental do Governo PS: a obsessão pelo défice; os baixos salários, pensões e reformas; os encerramentos na saúde e os cortes na educação; os ataques aos trabalhadores e aos seus direitos; o aumento da precariedade, do desemprego, do custo de vida e o garrote aos que ousaram adquirir habitação própria; agora sim, se entende o porquê das benesses à banca e ao grande capital.
Aliás, se o Governo do PS e os comentadores de serviço tivessem, há mais tempo, deixado claro que, a bem dos interesses da nação, os governos têm de estar sempre em condições de dar a mão à banca e ao grande capital, não haveria tanta contestação ao novo Código de Trabalho.
Certamente os trabalhadores compreenderiam que, de facto, é um «imperativo nacional» a redução de salários; os despedimentos mais simples; a redução de direitos; a precariedade e o desemprego; a sua vida e horários de trabalho definidos pelo patrão; o trabalho extraordinário deixar ser considerado como tal e ser pago em dias de descanso, colocando as horas trabalhadas num banco (lá está a banca sempre no centro de tudo); a destruição das estruturas sindicais de classe – pois estas são um entrave ao desenvolvimento das empresas – e a sua substituição por outras que aceitem o cenário em que nos encontramos e que necessariamente colaborem. Tudo a bem dos interesses da banca e do grande capital!
Se a situação não fosse tão grave, até daria para rir com tamanha hipocrisia!

Provocações patronais

Só faltava a agora mais esta: a Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), pelos vistos bem assessoriada por um ilustre senhor que já deixou as suas marcas na política nacional, em sintonia com um canal público de televisão, montaram uma autêntica manobra provocatória ao movimento sindical.
A ATP acusou, então, os sindicatos de «promoverem o encerramento de fábricas e de não defenderem os postos de trabalho». Uma parte do patronato das ITV partilha destas provocações, em particular aquele que está comprometido com as desastrosas políticas industriais desenvolvidas no nosso País – faz uma gestão de gaveta, enche os bolsos às custas dos salários de miséria, assina contratos colectivos de trabalho mas não os cumpre, define planos de liquidação das empresas procurando a todo o custo salvar os seus interesses e arrumar com os trabalhadores.
Assistimos, há bem pouco tempo, a mais um encerramento, da TOR, em Barcelos, onde os seus directores estarão possivelmente embebidos no espírito das declarações da ATP. Após anos de redução de pessoal, a empresa em 2001 cria três novas empresas e transfere os trabalhadores para estas, continuando a laborar nas mesmas instalações. Com isto, a TOR deixou de ter trabalhadores a seu cargo, compromissos com segurança social e fisco, mantém todo o património já existente e passa a principal credor das três empresas por si criadas.
Com dois meses de salários em atraso, após as férias a fábrica não reinicia a laboração e apresenta a insolvência. O principal credor (os donos da TOR) reclama o seus créditos, o BES decide não estar em condições de investir 400 mil euros (quando hoje se fala em milhares de milhões este valor torna-se ridículo) – o valor necessário para que as empresas pudessem continuar a laborar e, dessa forma, salvar, se não todos, uma parte dos actuais 250 postos de trabalho.
Conclusão: 250 trabalhadores despedidos, entre os quais famílias inteiras; a TOR mantém todo património imobiliário; sai de todo este processo sem dívidas ao Estado; as três empresas que empregavam os trabalhadores não detêm património suficiente para cumprir os compromissos em dívida.

«Maldito» movimento sindical

Ou então um outro caso, também recente, de uma empresa da ITV que, no quadro de uma situação difícil, se preparava para «negociar» com todos os trabalhadores a sua saída, sendo que seria com um de cada vez. O que estaria na mente deste patrão: salvar a empresa, continuar a produzir? O seu objectivo era livrar-se dos trabalhadores, manter o património da empresa e depois rentabilizá-lo através do negócio imobiliário.
«Maldito» movimento sindical, que em todos estes processos tem (no quadro das suas dificuldades), intervindo, mobilizado e organizado os trabalhadores na defesa dos seus interesses. A ATP e as outras ATP's não gostam, mas isto é a luta de classes! Ou acreditaram mesmo que tinha acabado? É por estas e por outras que é tempo de lutar, é tempo de mudar.


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