Comentário

O mal e a caramunha

Pedro Guerreiro
Como tem sido sublinhado – obviamente, não pelos meios de comunicação dominantes e dominados pelo grande capital –, a recente evolução da situação no Cáucaso reflecte e coloca em evidência as crescentes contradições inter-capitalistas, designadamente a não subordinação da Rússia aos interesses e desígnios dos EUA e seus aliados da NATO/UE.
Os recentes acontecimentos no Cáucaso, uma vez mais, puseram a nu a imensa e profunda hipocrisia daqueles que, sem qualquer autoridade moral, exigem agora à Rússia o cumprimento daquilo que eles próprios brutalmente desrespeitam. Veja-se a UE e os EUA clamarem cinicamente pelo «respeito do direito internacional», da «integridade territorial e da independência dos Estados», da «inviolabilidade das fronteiras» e pela «resolução pacífica dos conflitos», quando apenas o que pretendem é instrumentalizar estes justos e legítimos princípios que deveriam reger as relações internacionais, apenas exigindo o seu cumprimento pelos «outros» (1).

Por detrás de uma «campanha»

A histérica e manipulatória campanha que procura ocultar as responsabilidades das autoridades da Geórgia na evolução dos acontecimentos e no eclodir da agressão militar, no fundo, procura branquear as responsabilidades dos EUA e das grandes potências capitalistas europeias, reunidas na NATO/UE, no agravamento de toda a situação internacional, nomeadamente no Cáucaso.
Tenhamos presente, entre muitos outros exemplos, o aprofundamento da NATO como aliança militar ofensiva, com âmbito de intervenção planetário, a sua corrida para o Centro e Leste da Europa (três países em 1999 e sete em 2004), para os Balcãs (Croácia e Albânia, em 2009), a perspectiva do seu alargamento à Ucrânia e Geórgia (2). O desmembramento e a agressão à Jugoslávia, culminando na ocupação e imposição da ilegal independência da província Sérvia do Kosovo. A agressão e ocupação do Afeganistão e do Iraque. A instalação de novas bases militares dos EUA na Europa e na Ásia Central. A criação do comando militar dos EUA para África. A reactivação da IV Esquadra dos EUA para a América Latina. A denúncia do Tratado de Defesa Anti-míssil pelos EUA e a instalação de novos mísseis na Europa.
Uma campanha que utiliza também a actual situação no Cáucaso para defender novos e mais perigosos passos na corrida aos armamentos, na militarização do continente europeu, na imposição da UE como bloco político-militar e pilar europeu da NATO(3), na ingerência e domínio – político, ideológico, económico e militar – no intervencionismo e na agressão, no desrespeito do direito internacional. Campanha que, igualmente promovida em Portugal, tem como objectivo atrelar o País e colocar as forças armadas nacionais ao serviço do imperialismo dos EUA/NATO/UE.
Com o agravamento da crise com que o capitalismo se confronta, tanto mais que a partir do seu principal pólo – os EUA –, aumentam os riscos de novas tensões, conflitos e agressões accionadas e movidas pelo imperialismo, que, para sobreviver, procura manter o sistema e instrumentos de exploração dos povos e dos recursos naturais.

A luta pela paz

Face à gravidade da evolução da situação internacional e aos perigos que se colocam, este é um momento que exige a clara afirmação de que o único caminho que assegura o futuro da humanidade passa pela desmilitarização das relações internacionais, pela redução das despesas militares, pelo desarmamento, pela dissolução dos blocos político-militares, pelo respeito do direito internacional, pelo salvaguarda da soberania dos povos e da independência dos Estados, pela resolução pacifica dos conflitos internacionais.
Aliás, não por acaso, pois correspondendo a importantes marcos nas lutas pela paz e emancipação dos povos, onde os comunistas estiveram na primeira linha, estes são princípios que estão consagrados na Carta das Nações Unidas (1945), na Acta final da Conferência de Helsínquia (1975), e na Constituição da República Portuguesa (1976).
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(1) Não esquecendo as autoridades da Geórgia que clamam pelo respeito por tais princípios ao mesmo tempo que as suas forças militares participaram, desde 1999 (até 2008), na ocupação do Kosovo e, desde 2004, na ocupação do Iraque;
(2) Dos 27 países membros da UE, 21 são membros da NATO (as excepções são excepção Malta, Chipre, Irlanda, Áustria, Suécia e Finlândia. Nestes dois últimos países as forças do militarismo têm utilizado a situação no Cáucaso para defender a adesão à NATO). A Aliança Atlântica é ainda integrada pelo EUA, Canadá, Noruega, Turquia e Islândia, num total de 26 países.
(3) Com a recente evolução na situação do Cáucaso, a UE reforça a sua posição nesta região, colocando aí pela primeira vez uma missão ao abrigo da Política de Segurança e Defesa Comum e acelerando a negociação de acordos de livre comércio.


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