As nacionalizações do capital

Jorge Cadima
A crise do capitalismo agrava-se. E como afirma a revista The Eco­no­mist (17.7.08), «nesta crise fi­nan­ceira, cada epi­sódio da saga pa­rece ser ainda mais po­de­roso do que o an­te­rior».

O pessimismo do Eco­no­mist resulta da situação dramática de dois gigantes financeiros, ligados aos empréstimos no sector imobiliário dos EUA, e conhecidos pelos nomes de Fannie Mae e Freddie Mac. «São tão grandes – detêm ou ga­rantem cerca de me­tade dos 12 tri­liões de dó­lares das hi­po­tecas sobre ha­bi­ta­ções pró­prias nos EUA – que a ideia de que pu­dessem so­ço­brar era até aqui ini­ma­gi­nável» afirma o In­ter­na­ti­onal He­rald Tri­bune (12.7.08). Mas, desde Maio de 2007, perderam 85% do seu valor na bolsa (IHT, 12.7.08), acompanhando o afundamento do mercado imobiliário. O passivo das duas instituições «é de cerca de 40% do PIB dos EUA» (Martin Wolf, Fi­nan­cial Times, 16.7.08). «O Fannie Mae e o Freddie Mac [...] co­me­çaram a cair no que pa­recia ser um pos­sível co­lapso po­ten­ci­al­mente ge­rador de uma der­ro­cada fi­nan­ceira global» (IHT, 27.7.08). Também este mês faliu a IndyMac Bancorp, «que se de­verá tornar na se­gunda maior fa­lência ban­cária da his­tória dos EUA» (Eco­no­mist, 17.7.08). E a crise não afecta apenas os sectores financeiro e imobiliário. O gigante automóvel General Motors perdeu 74% do seu valor bolsista desde Outubro e a Merrill Lynch declarou que «a fa­lência [da GM] não é im­pos­sível» (Blo­om­berg, 2.7.08). Na opinião do comentador económico Martin Wolf, a crise «pro­va­vel­mente ainda nem chegou ao fim do seu prin­cípio» (FT, 16.7.08).

A reacção do grande capital à crise não se fez esperar: venha o dinheiro do contribuinte! Os ingleses nacionalizaram o falido banco Northern Rock. Em Março, a Reserva Federal dos EUA disponibilizou milhões de dinheiros públicos para salvar o banco de investimentos Bear Stearns. Bush declara que a dívida dos FMs «tem uma ga­rantia im­plí­cita do go­verno» (FT, 16.7.08). Em poucos dias «um enorme pa­cote le­gis­la­tivo» de emergência foi aprovado nas duas Câmaras do Parlamento dos EUA autorizando o governo a disponibilizar dinheiro por tempo indeterminado aos bancos em apuros (IHT, 27.7.08).

Durante anos andaram a proclamar as virtudes do privado, detentor exclusivo da competência, eficiência e rigor. Em nome das virtudes do mercado privatizou-se a economia, destruiram-se sectores produtivos, direitos, empregos, salários. Milhões de pessoas, regiões, países e continentes inteiros foram destroçados. Alastraram a miséria, a exploração, as guerras. A quem pedia uma intervenção estatal respondia-se com discursos. Não era possível. A «teta do Estado acabou». O «contribuinte» não podia suportar serviços sociais ou apoios estatais. Enquanto isso, os ricos tornavam-se obscenamente ricos. Mas agora que o grande capital, pela sua própria acção e agindo de acordo com as suas próprias leis, ameaça fazer implodir a economia mundial, até o Presidente Bush se proclama amigo da nacionalização... dos prejuízos. O famoso contribuinte verá o seu dinheiro usado para subsidiar o grande capital. Como dizem alguns cínicos, é o «socialismo para os ricos».

É impossível exagerar a gravidade e os perigos inerentes a esta crise. O imperialismo comporta-se como uma fera, mesmo quando não está ferido de morte. E agora tem feridas graves. Mas um sistema que produz miséria e guerra em tempo de vacas gordas, e ainda mais miséria e guerra em tempo de crise, é um sistema que inevitavelmente irá gerar a resistência e a revolta. Foi assim no Século XX. Vai ser assim num futuro que talvez esteja mais próximo do que muitos pensam.


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