Contas feitas...

Pina Gonçalves
A elegia das execuções sumárias e extra judiciais que se percebe no texto do Sr. Ferreira Fernandes publicado no DN do passado dia 3 de Julho, com o esclarecedor título «Contas feitas, ainda bem que o mataram», referindo-se ao líder das FARC, trai as supostas razões humanitárias do seu autor.
Na Colômbia, tragicamente, matar é um verbo que é conjugado exaustivamente; há quem, lamentavelmente, considere que está assim muito bem, mas também há quem não se habitue.
Os narcotraficantes, as polícias, os militares e os paramilitares justificam todas as execuções extra judiciais da sua autoria dizendo que os executados eram «elementos da guerrilha», o que do ponto de vista dos executores é legitimação mais do que suficiente para os seus actos.
O relatório divulgado pela Amnistia Internacional (AI) em 2007 informa que nesse ano aconteceram na Colômbia 280 execuções extra judiciais em que as vítimas, sendo sobretudo camponeses, foram apresentadas pelos militares como sendo «guerrilheiros mortos em combate». Diz a AI que as autoridades nem sequer se deram ao trabalho de investigar.
O mesmo relatório informa que os grupos paramilitares continuam activos, apesar dos anúncios em sentido contrário que o presidente Uribe vai fazendo, e são-lhes imputados 230 assassinatos em 2007.
Aos grupos paramilitares, relacionados com o narcotráfico, é também imputado o roubo de 4 milhões de hectares de terra pertencentes aos camponeses pobres. As vítimas procuram justiça nos tribunais, mas num ambiente em que mais de 40 legisladores, segundo o mesmo relatório da AI, são suspeitos de ligação aos grupos paramilitares, não pode surpreender que, através do «Decreto 128» e da «Lei 782», se tenham, na prática, através do limbo legal que criaram, amnistiado os membros dos grupos paramilitares que estavam sob investigação por suspeitas de cometerem abusos contra os direitos humanos.
Aliás, de acordo com os mesmos dados, o assassinato de queixosos e dos seus defensores não é invulgar na Colômbia, como é ilustrado com os trágicos exemplos de Carmen Cecília Santana Romaña, que representava vítimas de roubo de terras, assassinada a tiro no dia 7 de Fevereiro de 2007 e do assassinato de Yolanda Izquierdo no dia 31 de Janeiro de 2007. Yolanda era defensora de várias famílias de vítimas de assassinatos imputados aos paramilitares, num processo contra Salvatore Mancuso, um líder paramilitar.
O mesmo relatório da AI refere que a impunidade desses esbirros do regime é tal, que lhes dá a confiança necessária para procederem a ameaças de morte a diversos juízes do Supremo Tribunal de Justiça da Colômbia e às suas famílias.

Sindicalistas na mira

Os sindicalistas na Colômbia, catalogados pelas autoridades como «elementos subversivos», são perseguidos implacavelmente; os resultados são: 2245 sindicalistas assassinados, 138 desaparecidos e 3400 sob ameaça de morte, isto durante as últimas duas décadas. Diz a AI que mais de 90% dos casos nunca foram sequer investigados.
Ilustrando o ambiente em que se exerce a actividade sindical na Colômbia, a AI informa também que em 15 de Maio de 2006 foi encontrada uma nota com uma ameaça de morte na sede do sindicato do sector da alimentação e bebidas em Barranquilla, Departamento Atlântico, onde se lia: «Morte aos sindicalistas, estes são os nomes dos propagandistas e doutrinadores que sujam a nossa cidade, Euripides Yancen, Limberto Carranza, Campo Quintero, Jesus Tovar, Eduardo Arévalo, Tomas Ramos, Henry Gordón; Gastón Tesillo; Carlos Hernández. Chegou a hora de erradicar os tentáculos que crescem dia a dia nos sindicatos, universidades e organizações que permitem que as extraviem».
Depois desta ameaça, no dia 3 de Agosto de 2006, agentes da polícia que se apresentaram como pertencendo ao «Serviço de Investigações Judiciais e Inteligência» procederam a buscas ilegais, mesmo à luz da legislação colombiana, na sede do sindicato onde a nota com a ameaça de morte fora encontrada. Quando confrontados com a sua actuação justificaram-se dizendo que a mesma se enquadrava numa acção de prevenção a qualquer ameaça à ordem pública durante as cerimónias de tomada de posse para o segundo mandato do presidente Álvaro Uribe, no dia 7 de Agosto de 2006.
Dias depois, em 17 de Agosto, Arturo Montes Barrilla, dirigente sindical do sindicato dos trabalhadores do sector da alimentação e bebidas foi assassinado a tiro. Nenhum procedimento criminal foi efectuado para investigar e eventualmente acusar e julgar o soldado que foi dado como suspeito de ter premido o gatilho.


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