Antes pelo contrário
O professor Vital Moreira (VM) anda incomodado, como tive ocasião de constatar há dias quando alma caridosa me alertou para um escrito publicado a semana passada no Público com o curioso título de «Equívocos à esquerda». E digo curioso porque de equívocos à, ou de esquerda tem VM tão vasta experiência, tese e mestrado que mais valia não mexer no assunto, mas isso são outros quinhentos que agora não vêm ao caso.
Sucede que VM faz o favor de nos explicar, a propósito do recente conclave que levou ao Trindade umas quantas personalidades, por que motivo considera não haver no horizonte qualquer remota possibilidade de uma «frente de esquerda» caso o PS ganhe as próximas eleições sem maioria absoluta. Na sua douta opinião, o busílis está no facto de o PCP e o BE votarem ao PS uma «inimizade política» tão grande que não só não são capazes de reconhecer«as inegáveis melhorias nas políticas sociais» levadas a cabo pelo governo Sócrates, como não entendem, nem aceitam, que o PS, enquanto «partido de esquerda governante», esteja «naturalmente alinhado com as modernas orientações da social-democracia europeia, assentes na “economia de mercado regulada”, na eficiência e sustentabilidade do Estado social e no aprofundamento da integração europeia».
Esta «explicação», por acaso – será? – um equívoco pegado, dá pano para mangas. Primeiro, porque no referido conclave (bem como nos pressupostos que lhe estiveram subjacentes) nem com uma lupa se vislumbrava o PCP, como de resto VM muito bem sabe; segundo, porque os que sonham com uma «frente de esquerda» com o governo Sócrates-parte dois não estão assim tão desfasados do executivo e das suas políticas como se comprova pela praxi; e finalmente, porque para haver uma governação de esquerda é preciso no mínimo uma política de esquerda, o que nem por equívoco se pode chamar à prestação do PS nos sucessivos governos de que foi e é responsável.
Tendo VM uma visão tecnicolor do consulado Sócrates ao ponto de afirmar que [PCP e BE] «insistem na denúncia de aumento da pobreza entre nós, que nenhum indício confirma, antes pelo contrário», importa perceber se o problema é do fórum oftalmológico ou cognitivo, ou se pura e simplesmente é mais um... equívoco, chamemos-lhe assim.
É que numa altura em que o Banco Alimentar anuncia estar a apoiar um número recorde de 230 mil pessoas; quando o endividamento das famílias atinge já 129% do rendimento disponível; quando dados nacionais e europeus confirmam que Portugal é o país da União Europeia onde a desigualdade entre ricos e pobres é maior, e onde 20 por cento das crianças estão expostas à pobreza; quando um quinto dos portugueses vive com menos de 360 euros por mês (e destes, a maioria com muito menos do que isso); quando tudo isto sucede, importa perguntar em que mundo vive o professor de Coimbra, que vê indícios do contrário à realidade social do país. É provável que a vida lhe corra bem e só viaje de autoestrada, que tenha um gabinete climatizado e um bom restaurante sempre à mão, e que os rendimentos lhe sobrem no final de cada mês. Mas será muito mais do que um equívoco se VM ainda não se deu conta de que no moderno Portugal de Sócrates ter salário e ter fome deixaram de ser realidades incompatíveis. Antes pelo contrário, estão na ordem do dia.
Sucede que VM faz o favor de nos explicar, a propósito do recente conclave que levou ao Trindade umas quantas personalidades, por que motivo considera não haver no horizonte qualquer remota possibilidade de uma «frente de esquerda» caso o PS ganhe as próximas eleições sem maioria absoluta. Na sua douta opinião, o busílis está no facto de o PCP e o BE votarem ao PS uma «inimizade política» tão grande que não só não são capazes de reconhecer«as inegáveis melhorias nas políticas sociais» levadas a cabo pelo governo Sócrates, como não entendem, nem aceitam, que o PS, enquanto «partido de esquerda governante», esteja «naturalmente alinhado com as modernas orientações da social-democracia europeia, assentes na “economia de mercado regulada”, na eficiência e sustentabilidade do Estado social e no aprofundamento da integração europeia».
Esta «explicação», por acaso – será? – um equívoco pegado, dá pano para mangas. Primeiro, porque no referido conclave (bem como nos pressupostos que lhe estiveram subjacentes) nem com uma lupa se vislumbrava o PCP, como de resto VM muito bem sabe; segundo, porque os que sonham com uma «frente de esquerda» com o governo Sócrates-parte dois não estão assim tão desfasados do executivo e das suas políticas como se comprova pela praxi; e finalmente, porque para haver uma governação de esquerda é preciso no mínimo uma política de esquerda, o que nem por equívoco se pode chamar à prestação do PS nos sucessivos governos de que foi e é responsável.
Tendo VM uma visão tecnicolor do consulado Sócrates ao ponto de afirmar que [PCP e BE] «insistem na denúncia de aumento da pobreza entre nós, que nenhum indício confirma, antes pelo contrário», importa perceber se o problema é do fórum oftalmológico ou cognitivo, ou se pura e simplesmente é mais um... equívoco, chamemos-lhe assim.
É que numa altura em que o Banco Alimentar anuncia estar a apoiar um número recorde de 230 mil pessoas; quando o endividamento das famílias atinge já 129% do rendimento disponível; quando dados nacionais e europeus confirmam que Portugal é o país da União Europeia onde a desigualdade entre ricos e pobres é maior, e onde 20 por cento das crianças estão expostas à pobreza; quando um quinto dos portugueses vive com menos de 360 euros por mês (e destes, a maioria com muito menos do que isso); quando tudo isto sucede, importa perguntar em que mundo vive o professor de Coimbra, que vê indícios do contrário à realidade social do país. É provável que a vida lhe corra bem e só viaje de autoestrada, que tenha um gabinete climatizado e um bom restaurante sempre à mão, e que os rendimentos lhe sobrem no final de cada mês. Mas será muito mais do que um equívoco se VM ainda não se deu conta de que no moderno Portugal de Sócrates ter salário e ter fome deixaram de ser realidades incompatíveis. Antes pelo contrário, estão na ordem do dia.