Nasce a República do Nepal
A Assembleia Constituinte aboliu, quinta-feira, a monarquia e instaurou o regime republicano no Nepal. De súbditos a cidadãos, milhares de pessoas saíram à rua para comemorarem este avanço histórico e defenderem a jovem conquista.
Para milhares de nepaleses este foi o dia mais feliz das suas vidas
Por 560 votos contra quatro, a proposta apresentada pelas três maiores formações políticas com assento na Assembleia Constituinte (Partido Comunista do Nepal (Maoísta), PCN-M, vencedor destacado das eleições realizadas no passado dia 10 de Abril, Partido do Congresso Nepalês, e Partido Comunista Unificado Marxista-Leninista) foi aprovada colocando um ponto final no regime absolutista que governou o país nos últimos 240 anos.
Ao anúncio feito já de madrugada em plenário pelo máximo representante daquele órgão, Kul Bahadur Gurung, seguiram-se os festejos populares. O dia 29 de Maio foi instituído como o Dia da República. Para milhares de nepaleses este foi o dia mais feliz das suas vidas, atestou um partidário do PCN-M, citado por agências internacionais, que junto a uma multidão saudava na rua o arrear da bandeira da dinastia Shah e entoava palavras de ordem como «Gyanendra ladrão, fora do país!».
Depois de ter ignorado todos os pedidos para abandonar o Palácio antes da proclamação da República, Gyanendra tem agora a próxima quinta-feira como prazo máximo para desocupar o Paço Real, edifício que vai ser transformado num Museu Nacional, decidiu o governo de coligação, constituído, em 2006, na base de um acordo entre sete partidos. Não foram reportados comentários do rei sobre a decisão.
O monarca deverá permanecer numa outra residência situada na capital do país, Katmandu, mas de agora em diante sem «os direitos, instalações e status tradicional e culturalmente conferidos ao rei e à família real, excepto os conferidos aos demais cidadãos nepaleses» no quadro de um «Estado independente, indivisível, soberano, laico e democrático», esclarece o texto ratificado no parlamento hemiciclo.
Consolidar o regime democrático
Reagindo ao histórico avanço, o porta-voz do PCN-M, Krishna Bahadur Mahara, sublinhou que «o povo nepalês foi libertado de séculos de tradição feudal e abriu as portas para uma transformação social e económica radical». Apesar disso, muito caminho ainda falta percorrer para consolidar a democracia conquistada, desde logo a configuração do poder e as atribuições dos respectivos órgãos.
A esse respeito, o presidente do PCN-M, Pushpa Kamal Dahal, revelou em declarações à imprensa que os três partidos maioritários no parlamento estão de acordo sobre a instauração da figura do presidente, mas não sobre as suas competências.
Quanto aos restantes partidos, as divergências com os comunistas são ainda maiores, envolvendo não apenas diferenças no que concerne à detenção do poder executivo e representação do Estado, mas também sobre o poder da futura Assembleia da República para derrubar o governo, que o PCN-M exige que seja por dois terços dos votos, e outros partidos pretendem que seja por maioria simples.
Pachandra, nome pelo qual é popularmente conhecido o líder do PCN-M, considera que «caso o governo possa ser derrubado com uma maioria simples, o foco estará mais em formar e destituir o executivo do que em preparar a nova Constituição, a tarefa principal da nova Assembleia».
As armas da reacção
Para além das resistências institucionais expressas por algumas formações que partilham o poder, outras avolumam as preocupações sobre a situação política e social no Nepal, exigindo vigilância, serenidade e firmeza aos revolucionários e democratas patriotas.
Nas últimas semanas e até poucas horas antes da votação na Assembleia Constituinte, vários engenhos explosivos foram detonados, atentados que as autoridades locais atribuíram aos defensores da monarquia. O método usado pelos que consideram Gyanendra a reencarnação do deus hindu Vishnu é a instauração de um clima de pânico, explicou Dipendra Chand, responsável policial ouvido pela Reuters. O objectivo de fundo é travar as reformas progressistas e manter o sistema de dominação teocrático e semi-feudal no Nepal.
Os acontecimentos mais graves foram provocados por grupos de delinquentes no distrito de Kailali, na região Oeste do país, na fronteira com a Índia. Pelo menos três pessoas morreram e seis ficaram feridas, entre as quais um jornalista, segunda-feira, 28. Para além de actos de vandalismo e pilhagens contra lojas e residências, também uma oficina do governo foi atacada, obrigando a polícia a decretar o recolher obrigatório.
Momentos de uma revolução
A queda do rei Gyanendra – que arrebatou o ceptro em 2001 após o seu sobrinho e herdeiro do trono, Dipendra, ter assassinado o rei Birendra, a rainha Aishwarya, e outros seis membros da família real, suicidando-se em seguida – é o epílogo da derradeira monarquia hinduísta do mundo. Em seguida apresentamos uma breve síntese dos acontecimentos mais importantes dos últimos 18 anos:
Novembro de 1990: Fortes protestos populares obrigam o rei Birendra a aceitar o regime multipartidário
Maio de 1991: O parlamento eleito nas primeiras eleições no país aprova um documento convertendo o Nepal numa monarquia constitucional.
Novembro de 1994: Realizam-se novas eleições legislativas. O Partido Comunista Marxista-Leninista obtém um resultado histórico, mas não suficiente para derrubar a coligação no poder.
Fevereiro de 1996: O PCN-M inicia a luta armada contra o regime monárquico e pela democratização do país.
Maio de 1999: O Partido do Congresso volta a ganhar o sufrágio legislativo, o terceiro da história do Nepal.
Junho de 2001: Regicídio e massacre no seio da família real. Gyanendra assume o poder apesar de amplas manifestações e distúrbios no país.
Novembro de 2001: Gyanendra declara o estado de emergência na sequência do recrudescimento dos combates entre a guerrilha e o exército fiel ao rei.
Outubro de 2002: Gyanendra destitui o governo, dissolve o parlamento e adia indefinidamente as eleições, agendadas para o mês de Novembro seguinte.
Janeiro a Agosto de 2003: Governo interino e guerrilha encetam negociações, as quais resultam infrutíferas.
Fevereiro de 2005: O monarca reclama o poder absoluto e deslegitima qualquer outro, nomeadamente o legislativo. Centenas de milhares de pessoas saem às ruas do Nepal e exigem o fim da monarquia e a instauração da República.
Setembro de 2005: A guerrilha anuncia um cessar-fogo de três meses com o intuito de viabilizar negociações.
Novembro de 2005: Sete partidos da oposição ao rei acordam os termos do programa político que visa destituir o regime absolutista.
Abril de 2006: Inicia-se uma greve geral cujo objectivo é derrubar Gyanendra. As tropas do rei matam pelo menos 20 pessoas nos protestos mas são incapazes de reprimir a revolta. O monarca aceita transferir o poder executivo para o Partido do Congresso.
Abril de 2006 a Fevereiro de 2007: O Partido do Congresso reinicia negociações com o PCN-M e é obrigado pela força do movimento de massas e da luta armada a aceitar as reformas democráticas propostas pelos comunistas. Os demais partidos subscrevem o fim do conflito armado e a partilha do poder executivo.
Abril de 2007 a Dezembro de 2007: O PCN-M participa com cinco ministros no governo provisório. O novo executivo nacionaliza os palácios reais, o Banco Central emite uma nova moeda sem o rosto do rei, mas os ex-guerrilheiros são obrigados a abandonar o governo em virtude da resistência de algumas das forças da coligação em aceitarem o regime republicano. Em Dezembro, os partidos burgueses não têm outra hipótese senão ceder às propostas dos comunistas, e estes aceitam reintegrar o governo.
Abril de 2008: O Partido Comunista do Nepal-Maoista vence as eleições para a Assembleia Constituinte obtendo 220 dos 570 deputados indicados pelo sufrágio directo.
Ao anúncio feito já de madrugada em plenário pelo máximo representante daquele órgão, Kul Bahadur Gurung, seguiram-se os festejos populares. O dia 29 de Maio foi instituído como o Dia da República. Para milhares de nepaleses este foi o dia mais feliz das suas vidas, atestou um partidário do PCN-M, citado por agências internacionais, que junto a uma multidão saudava na rua o arrear da bandeira da dinastia Shah e entoava palavras de ordem como «Gyanendra ladrão, fora do país!».
Depois de ter ignorado todos os pedidos para abandonar o Palácio antes da proclamação da República, Gyanendra tem agora a próxima quinta-feira como prazo máximo para desocupar o Paço Real, edifício que vai ser transformado num Museu Nacional, decidiu o governo de coligação, constituído, em 2006, na base de um acordo entre sete partidos. Não foram reportados comentários do rei sobre a decisão.
O monarca deverá permanecer numa outra residência situada na capital do país, Katmandu, mas de agora em diante sem «os direitos, instalações e status tradicional e culturalmente conferidos ao rei e à família real, excepto os conferidos aos demais cidadãos nepaleses» no quadro de um «Estado independente, indivisível, soberano, laico e democrático», esclarece o texto ratificado no parlamento hemiciclo.
Consolidar o regime democrático
Reagindo ao histórico avanço, o porta-voz do PCN-M, Krishna Bahadur Mahara, sublinhou que «o povo nepalês foi libertado de séculos de tradição feudal e abriu as portas para uma transformação social e económica radical». Apesar disso, muito caminho ainda falta percorrer para consolidar a democracia conquistada, desde logo a configuração do poder e as atribuições dos respectivos órgãos.
A esse respeito, o presidente do PCN-M, Pushpa Kamal Dahal, revelou em declarações à imprensa que os três partidos maioritários no parlamento estão de acordo sobre a instauração da figura do presidente, mas não sobre as suas competências.
Quanto aos restantes partidos, as divergências com os comunistas são ainda maiores, envolvendo não apenas diferenças no que concerne à detenção do poder executivo e representação do Estado, mas também sobre o poder da futura Assembleia da República para derrubar o governo, que o PCN-M exige que seja por dois terços dos votos, e outros partidos pretendem que seja por maioria simples.
Pachandra, nome pelo qual é popularmente conhecido o líder do PCN-M, considera que «caso o governo possa ser derrubado com uma maioria simples, o foco estará mais em formar e destituir o executivo do que em preparar a nova Constituição, a tarefa principal da nova Assembleia».
As armas da reacção
Para além das resistências institucionais expressas por algumas formações que partilham o poder, outras avolumam as preocupações sobre a situação política e social no Nepal, exigindo vigilância, serenidade e firmeza aos revolucionários e democratas patriotas.
Nas últimas semanas e até poucas horas antes da votação na Assembleia Constituinte, vários engenhos explosivos foram detonados, atentados que as autoridades locais atribuíram aos defensores da monarquia. O método usado pelos que consideram Gyanendra a reencarnação do deus hindu Vishnu é a instauração de um clima de pânico, explicou Dipendra Chand, responsável policial ouvido pela Reuters. O objectivo de fundo é travar as reformas progressistas e manter o sistema de dominação teocrático e semi-feudal no Nepal.
Os acontecimentos mais graves foram provocados por grupos de delinquentes no distrito de Kailali, na região Oeste do país, na fronteira com a Índia. Pelo menos três pessoas morreram e seis ficaram feridas, entre as quais um jornalista, segunda-feira, 28. Para além de actos de vandalismo e pilhagens contra lojas e residências, também uma oficina do governo foi atacada, obrigando a polícia a decretar o recolher obrigatório.
Momentos de uma revolução
A queda do rei Gyanendra – que arrebatou o ceptro em 2001 após o seu sobrinho e herdeiro do trono, Dipendra, ter assassinado o rei Birendra, a rainha Aishwarya, e outros seis membros da família real, suicidando-se em seguida – é o epílogo da derradeira monarquia hinduísta do mundo. Em seguida apresentamos uma breve síntese dos acontecimentos mais importantes dos últimos 18 anos:
Novembro de 1990: Fortes protestos populares obrigam o rei Birendra a aceitar o regime multipartidário
Maio de 1991: O parlamento eleito nas primeiras eleições no país aprova um documento convertendo o Nepal numa monarquia constitucional.
Novembro de 1994: Realizam-se novas eleições legislativas. O Partido Comunista Marxista-Leninista obtém um resultado histórico, mas não suficiente para derrubar a coligação no poder.
Fevereiro de 1996: O PCN-M inicia a luta armada contra o regime monárquico e pela democratização do país.
Maio de 1999: O Partido do Congresso volta a ganhar o sufrágio legislativo, o terceiro da história do Nepal.
Junho de 2001: Regicídio e massacre no seio da família real. Gyanendra assume o poder apesar de amplas manifestações e distúrbios no país.
Novembro de 2001: Gyanendra declara o estado de emergência na sequência do recrudescimento dos combates entre a guerrilha e o exército fiel ao rei.
Outubro de 2002: Gyanendra destitui o governo, dissolve o parlamento e adia indefinidamente as eleições, agendadas para o mês de Novembro seguinte.
Janeiro a Agosto de 2003: Governo interino e guerrilha encetam negociações, as quais resultam infrutíferas.
Fevereiro de 2005: O monarca reclama o poder absoluto e deslegitima qualquer outro, nomeadamente o legislativo. Centenas de milhares de pessoas saem às ruas do Nepal e exigem o fim da monarquia e a instauração da República.
Setembro de 2005: A guerrilha anuncia um cessar-fogo de três meses com o intuito de viabilizar negociações.
Novembro de 2005: Sete partidos da oposição ao rei acordam os termos do programa político que visa destituir o regime absolutista.
Abril de 2006: Inicia-se uma greve geral cujo objectivo é derrubar Gyanendra. As tropas do rei matam pelo menos 20 pessoas nos protestos mas são incapazes de reprimir a revolta. O monarca aceita transferir o poder executivo para o Partido do Congresso.
Abril de 2006 a Fevereiro de 2007: O Partido do Congresso reinicia negociações com o PCN-M e é obrigado pela força do movimento de massas e da luta armada a aceitar as reformas democráticas propostas pelos comunistas. Os demais partidos subscrevem o fim do conflito armado e a partilha do poder executivo.
Abril de 2007 a Dezembro de 2007: O PCN-M participa com cinco ministros no governo provisório. O novo executivo nacionaliza os palácios reais, o Banco Central emite uma nova moeda sem o rosto do rei, mas os ex-guerrilheiros são obrigados a abandonar o governo em virtude da resistência de algumas das forças da coligação em aceitarem o regime republicano. Em Dezembro, os partidos burgueses não têm outra hipótese senão ceder às propostas dos comunistas, e estes aceitam reintegrar o governo.
Abril de 2008: O Partido Comunista do Nepal-Maoista vence as eleições para a Assembleia Constituinte obtendo 220 dos 570 deputados indicados pelo sufrágio directo.