China e Rússia

Luís Carapinha

A de­cla­ração con­junta re­a­firma o papel cen­tral da ONU

O novo presidente russo, Medvedev, deslocou-se à China na sua viagem inaugural ao estrangeiro. Na visita e para além dos novos acordos de cooperação anunciados – que confirmam o bom ritmo de progressão das relações comerciais entre a China e a Rússia –, os dois países assinaram em Pequim, dia 23 de Maio, uma declaração conjunta sobre as principais questões internacionais. Num comunicado final, o presidente chinês e secretário-geral do Partido Comunista da China, Hu Jintao, sublinhou a importância das «relações de parceria e cooperação estratégica» entre Pequim e Moscovo constituirem uma «prioridade da política externa» assumida pelos dois países.
É difícil ocultar o significado daquele documento e da «aliança» sino-chinesa, à luz do carácter convulso da época. Marcada pelas ameaças da ofensiva imperialista e a aposta dos EUA na militarização das relações internacionais como forma de esconjurar o cenário de crise económica e sistémica e contrariar o declínio da sua influência no mundo.

Contra insanas tentativas de erguer uma nova ordem hegemónica, a declaração conjunta reafirma o papel central da ONU na arena internacional e o respeito estrito dos objectivos e princípios da sua Carta – o respeito da soberania e integridade territorial dos Estados, a rejeição da agressão e da ingerência nos assuntos internos; a igualdade, vantagem recíprocas e coexistência pacífica. Rejeita implicitamente o projecto global de escudo antí-missil dos EUA (a que se associam a NATO, UE e, porventura, o Japão). E a colocação de armas no espaço – os EUA declinaram em Fevereiro na Conferência sobre desarmamento de Genebra a proposta da Rússia e China de proibição da militarização do espaço. Condena todas as formas de terrorismo e a utilização dos direitos humanos como forma de ingerência. Defende a via do diálogo no dossier do Irão e constata o papel proeminente da Organização de Cooperação de Xangai – da qual China e Rússia são membros nucleares – como garante da estabilidade, paz e segurança no espaço euroasiático.

Não se trata aqui de subscrever ou afunilar para os 11 pontos da declaração sino-russa. Mas de aferir e ressaltar a dinâmica da acção coincidente dos dois países na correlação de forças mundial e do potencial de contenção face aos propósitos mais agressivos e obscuros do imperialismo.
Partilhando uma extensa fronteira terrestre, China e Rússia constituem crescentemente um ineludível alvo comum da estratégia de cerco militar dos EUA e principais potências capitalistas. O seu percurso e situação interna são distintos. Na Rússia, a saída do abismo das derrotas do socialismo não apagou grandes fraquezas estruturais e os traços de ambivalência política. A consumação da restauração capitalista implicou uma centralização do poder no «consulado» de Pútin que afastou o espectro da desagregação. E a insistência no liberalismo económico não deixou de coexistir com um reassumir do papel do Estado em sectores estratégicos, que tão desagrada ao «Ocidente».

A China experimentou nos últimos 30 anos um processo de crescimento económico sem paralelo à escala mundial. Registando êxitos determinantes, o desenvolvimento e consolidação do objectivo assumido do «socialismo com características chinesas» debatem-se hoje porém com complexos desafios, problemas e contradições.
Inserindo-se na rearrumação de forças global – vide declaração dos MNE do Brasil, Rússia, Índia e China de 16 de Maio, na Rússia, ou a fundação, também dia 23, da União das Nações Sul-Americanas –, não isenta de contradições, a articulação dos dois gigantes não é um factor despiciendo para o quadro de luta dos povos e trabalhadores – onde reside a força incontornável do combate contra a opressão capitalista, pela emancipação social.


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