A bem da nação

Anabela Fino
O popular ditado «a boda e baptizado não vás sem ser convidado» está em vias de cair rapidamente em desuso. Um destes dias, é muito possível que os convivas de tais eventos passem a ser confrontados, lá onde quer que os mesmos se realizem, com uma legião de desconhecidos senhores Silva – ou senhoras, para o caso pouco importa o sexo e o nome – munidos de calculadora, PC portátil, bloco de notas, gravador, máquina de filmar ou qualquer outra coisa do género, cadeirinha desdobrável e mesa articulada, instalados em pontos estratégico, muito atarefados a contar cabeças – se for pés têm de dividir por dois, sem contar com eventuais pernetas – e a controlar travessas: tantas de rissóis, tantas de croquetes, tantas de pastéis de bacalhau, tantas de pernas de frango, à média de X por cada uma dá Y, isto sem esquecer as garrafas de sumo, mais as de champanhe, branco ou tinto tanto faz, as águas, o arroz de marisco, os pudins (serão caseiros ou de pacote? Olha a dificuldade!), o arroz doce, mais tudo o que agora não vem à ideia mas é comum encontrar em festas que tais. Ah! E o bolo de noiva, claro, quanto andares, quantas variedades de creme, o melhor é provar para saber se o chantili é legítimo. Obviamente há que registar o número de fotógrafos e/ou portadores de máquinas de filmar – o bico de obra será distinguir os profissionais dos amadores, mas na via das dúvidas aponta-se tudo –, estimar o preço do vestido da noiva e do fraque do noivo, fato que seja também não escapa, mais eventuais presentes de última hora – toca lá a desembrulhar tudo para se ver o material – e exigir a lista de prendas com nomes, moradas, telefones e números de contribuinte dos ofertantes, devidamente acompanhados da respectiva factura, tanto faz se o pagamento foi a pronto ou em suaves prestações....
Endoidou de vez, diriam os leitores, e com razão, não fora dar-se o caso da semana ter ficado marcada pela polémica do autêntico assédio do fisco aos recém-casados, cujos estão a receber em casa cartas que os intimam – ao «abrigo do dever de colaboração – a declarar, num prazo de 15, quanto custou a boda e quem pagou a quem, tudo devidamente acompanhado dos respectivos comprovativos. As modalidades das missivas variam, ao que parece, em função da inspiração epistolar das diferentes direcções de Finanças, mas ninguém fica sem o aviso (ameaça?) de que, na falta de resposta, os pombinhos incorrem numa coima de 100 a 2500 euros. Eis aqui uma original prenda de casamento à altura de um Governo que pouco ou nada se rala com as condições de vida dos portugueses.
Evidentemente, como já se ouviu dizer noutros tempos, que é tudo «a bem da nação». Para isso se dão ao trabalho de vasculhar nos cartórios para descobrir os nubentes, enquanto vão estimulando os bufos, já que não falta sequer o «convite» a denunciar outros casamentos ou festas a que os intimados tenham assistido. Por este andar, se as gentes não se precatam, ainda se acaba a ter de ir «dar o nó» às escondidas a Espanha. Pensando bem, se já lá nascem tantos portugueses, por que não?


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