Comentário

Trabalho e União Europeia

Ilda Figueiredo
A marca de classe da integração europeia é cada vez mais visível nas sucessivas decisões institucionais da União Europeia, apesar dos floreados que as envolvem e de alguns recuos a que, por vezes, os líderes políticos são obrigados face às lutas dos trabalhadores e aos desaires que os cidadãos lhes provocam quando se podem pronunciar, como aconteceu nos dois referendos sobre a dita constituição europeia.
Vejamos alguns aspectos da caminhada das recentes decisões comunitárias que envolvem o trabalho, desde que, em 1997, foi aprovada a Estratégia Europeia para o Emprego, a que se seguiu, em 2000, a dita Estratégia de Lisboa. Foi aqui que apareceu a insistência na flexibilidade laboral e na liberalização dos serviços, a que se seguiu a proposta da directiva Bolkestein que pretendia, de uma penada, avançar para a harmonização dos baixos salários e do trabalho precário, através da defesa do país de origem.
A luta dos trabalhadores e a derrota nos referendos da França e da Holanda obrigaram a alguns recuos, que, afinal, foram mais aparentes do que reais. As recentes e graves decisões do tribunal de Justiça Europeu, de Dezembro passado, sobre os casos Laval e Viking Line, vieram tornar claro que o artigo 49.º do Tratado da União Europeia que está em vigor, e que se mantém no projecto do Tratado de Lisboa, sobre o direito de estabelecimento e liberdade de circulação das empresas, é usado para justificar práticas de dumping social, para desvalorizar a negociação colectiva, para deslocalizar trabalhadores de países de baixos salários para países com maiores salários, mantendo a diferença salarial do país de origem, para colocar trabalhadores em concorrência.
No debate que fizemos na Comissão do Emprego e Assuntos Sociais do Parlamento Europeu, o Presidente da Confederação Europeia de Sindicatos defendeu a introdução de uma cláusula social que clarifique que a liberdade de circulação das empresas não pode pôr em causa os direitos laborais. Só que tal cláusula social só pode ter segurança jurídica se for incluída no Tratado. Mas, para isso, é necessário alterar o texto que está em ratificação, o que exige a paralisação de todo o processo. É preciso voltar ao início, fazer nova Conferência Intergovernamental e aprovar um outro Tratado.
Como as elites políticas e económicas não querem parar o processo nem voltar ao início, a maioria do Parlamento Europeu recusou o agendamento para plenário de um debate sobre estas decisões do Tribunal de Justiça Europeu. Têm medo que os trabalhadores e outros democratas irlandeses compreendam o perigo do Tratado de Lisboa e votem contra a sua ratificação no referendo que a Irlanda vai realizar.
É que, com o Tratado de Lisboa, agrava-se a desvalorização do trabalho. Vejamos dois exemplos, comparando a chamada Carta dos Direitos Fundamentais, incluída no Tratado de Lisboa, e a Constituição da República Portuguesa:
- no artigo 15º da Carta dos Direitos Fundamentais apenas se garante que «todas as pessoas têm o direito de trabalhar e de exercer uma profissão livremente escolhida ou aceite», enquanto a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 58º, garante que «todos têm direito ao trabalho»;
– no artigo 30º da Carta dos Direitos Fundamentais apenas se garante que «todos os trabalhadores têm direito a protecção contra os despedimentos sem justa causa», enquanto a Constituição da República Portuguesa, no artigo 53º, afirma claramente que «é garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa».
O que fica claro é que a dita Carta dos Direitos Fundamentais não garante o trabalho, não proíbe despedimentos sem justa causa, nem proíbe o lock out.
Entretanto, a Comissão Europeia retomou a questão da flexibilidade nas quatro componentes da «flexigurança» recentemente aprovadas, destacando-se as duas seguintes:
– Disposições contratuais flexíveis e fiáveis, mercê da modernização das legislações laborais, dos acordos colectivos e da organização do trabalho;
– Políticas activas de emprego que, com eficácia, ajudem as pessoas a lidar com a rapidez da mudança, reduzam os ciclos de desemprego e facilitem as transições para novos empregos.
Daqui decorre que a leitura que vão fazer da «flexigurança» seja a de realizar alterações da legislação laboral que desvalorizem o trabalho para facilitar a precariedade do emprego em geral, referindo-se apenas a uma vaga protecção que pode passar por um curso de formação ou outra actividade temporária.
Claro que, em Portugal, temos a Constituição da República Portuguesa que protege contra despedimentos sem justa causa, proíbe o lock out e valoriza a negociação colectiva. Por isso, vamos continuar a exigir o seu cumprimento.
No plano da União Europeia, é fundamental lutar contra o Tratado de Lisboa que desvaloriza o trabalho e facilita a exploração capitalista.


Mais artigos de: Europa

Sarkozy desautorizado

O repúdio dos franceses pelas políticas anti-sociais do governo de Sarkozy foi reforçado no domingo, na segunda volta das eleições municipais e cantonais em França. A direita no poder perdeu em número de votos e de municípios conquistados. A derrota foi estrondosa.

Precariedade agravada

Na véspera da cimeira dos Vinte e Sete, nos dias 13 e 14, que analisou os objectivos sociais e económicos proclamados pela chamada «Estratégia de Lisboa» em 2002, a Confederação Europeia de Sindicatos divulgou um estudo sobre a explosão da precariedade.

Gregos voltam à greve geral

Ontem, quarta-feira, 19, a Grécia voltou a parar em protesto contra o projecto de redução dos direitos de reforma. Trata-se da terceira paralisação do país desde Dezembro passado, período que tem sido igualmente marcado por intensas lutas sectoriais.Na semana passada, dia 12, os trabalhadores da recolha do lixo, dos...

Blair em campanha

O antigo primeiro-ministro britânico, Tony Blair, que é apontado com um dos possíveis candidatos ao cargo de presidente da União Europeia, a criar após ratificação do «Tratado de Lisboa», anunciou, dia 14, que vai dirigir uma campanha internacional contra as alegadas «alterações climáticas».Neste seu súbito activismo...