Jerónimo de Sousa acusa Sócrates de autismo

«O país que tem na cabeça não existe»

Jerónimo de Sousa considerou que no nosso país continuam a agravar-se as injustiças e as desigualdades, o que não bate certo com o «país das maravilhas» descrito por José Sócrates.

Portugal é hoje um país mais injusto e menos democrático

Foi este antagonismo na percepção da realidade que o líder comunista pôs em evidência, sexta-feira passada, em debate com o primeiro-ministro, a quem acusou de persistir num discurso enganador dos portugueses.
«Portugal é hoje marcado pelas desigualdades, um país menos seguro, mais injusto, menos democrático», sublinhou o Secretário-geral do PCP no debate quinzenal com o chefe do Governo, testemunhando uma realidade que contradiz o «país no bom caminho» ainda recentemente apresentado na celebração dos três anos de governação do PS.
Jerónimo de Sousa, dirigindo-se a Sócrates, disse mesmo que o País que este «tem na cabeça não existe», trazendo a lume, a propósito, recentes relatórios de entidades insuspeitas como sejam o Banco de Portugal, a Comissão Europeia e o INE.

Lucros obscenos

Tais documentos provam a «existência de mais pobreza infantil e mais desemprego», afiançou Jerónimo de Sousa, antes de lembrar que a taxa real de desemprego atingiu os 10,5 por cento em 2007, não obstante a manipulação das estatísticas ensaiada pela bancada do PS.
«Esses relatórios demonstram também que, no plano económico, neste início do ano, há menos exportações, menos consumo interno, e que começam a verificar-se dificuldades e um arrefecimento da própria economia», acrescentou o líder comunista, antes de observar que este quadro de dificuldades não é contudo extensível a todos os sectores. E deu o exemplo do sector financeiro e dos grandes grupos económicos, cujos «lucros obscenos e escandalosos», sublinhou, «contradizem a tese de Sócrates dos sacrifícios para todos», demonstrando simultaneamente que o «país está mais desigual devido a uma política injusta realizada pelo governo PS».
O primeiro-ministro, evasivo na resposta às questões concretas, optou por considerações de ordem genérica, repetindo o que tem vindo a dizer sobre os resultados de três anos do Governo no domínio da política macro-económica. Falou dos dois por cento de crescimento da economia, da melhoria das finanças públicas com o défice a situar-se abaixo dos três por cento, e dos 94 mil empregos criados desde Março de 2005.
Estes, sim, afirmou, é que são os resultados dos três anos de governo que tornaram Portugal num «país hoje mais preparado e com uma economia mais sólida para enfrentar 2008 e os próximos anos». Tudo, claro, «a bem da confiança dos agentes económicos e dos agentes internacionais que avaliam a nossa economia e emprestam o dinheiro».

Realidades incontornáveis

Sobre a pobreza, a única matéria mais concreta a que não fugiu, procurou contestar os dados referidos pelo dirigente comunista, socorrendo-se do INE para dizer que o flagelo teria diminuído gradualmente de 2004 para 2006. E, falando das desigualdades, disse que o relatório do INE também traz uma novidade: o índice de comparação entre os 20 por cento mais ricos e os 20 por cento mais pobres, no ano de 2006, também teria diminuído uma décima percentual. O que o levou, de modo imprudente, a concluir que os alertas do PCP sobre o crescimento das desigualdades «são apenas slogans e não têm a ver com a realidade».
A reacção de Jerónimo não se fez esperar: «estamos perante um primeiro-ministro satisfeitíssimo porque conseguiu qualquer coisa como 0,1 por cento em termos estatísticos na diminuição das desigualdades».
O líder do PCP explicou de seguida a razão pela qual, do seu ponto de vista, com esta política, não se perspectiva uma diminuição das desigualdades. «Porque o país está confrontado com realidades incontornáveis», referiu, exemplificando com a subida do desemprego, os baixos salários, a precariedade no trabalho, a elevada taxa de abandono escolar, as baixas prestações sociais. «São estes factores, por muito que o senhor torture as estatísticas, que, inevitavelmente, prolongam e agravam as desigualdades sociais», sublinhou, apontando o dedo às políticas do Governo PS.

Arrogância e pouco saber

Com o debate até aí marcado em grande medida por minudências como a de saber se a expressão «calote» tem a dignidade de integrar o léxico político ou se deve apenas confinar-se à conversa de «taberna» - questão que por exemplo motivou estridente fogo cruzado (de pólvora seca, claro) entre Sócrates e Portas a propósito de um diferendo recente entre este último e o ministro da Agricultura - , coube a Jerónimo de Sousa, chegada a sua hora de intervir, recentrar o debate quinzenal nos grandes problemas das pessoas e do País.
Uma das questões por si abordada foi a da educação. Referiu-se ao facto de a generalidade dos professores estar contra esta política, em particular no que toca ao sistema de avaliação. E depois de criticar o primeiro-ministro pela sua afirmação de que «não muda nem um milímetro» - expressão encarada como um exemplo acabado de arrogância – , o dirigente do PCP lembrou-lhe que «não é a autoridade que dá o saber, mas sim o saber que dá a autoridade».
«Como é possível manter um modelo que todos rejeitam? Acha que vai resultar ?», perguntou antes de acusar o Governo de manter uma postura intransigente «contra os professore e contra a autonomia das escolas», que, a não ser alterada, advertiu, levará à «liquidação da gestão democrática das escolas».

Sem sossego na velhice

Questão a merecer a atenção do Secretário-geral do PCP foi a da particular responsabilidade deste Governo pela criação do que chamou de «novo paradigma na sociedade portuguesa». Referia-se aos portugueses, particularmente os trabalhadores e os que vivem de pequenos rendimentos, «que, mais do que ter medo de morrer, têm medo de envelhecer».
Segundo Jerónimo de Sousa, a razão é simples e constitui «mais um elemento acusatório» desta política: «têm medo de envelhecer». Porquê ? Porque têm «baixos salários, baixas pensões e reformas, e porque sentem a falta de apoio de uma rede de serviços sociais que possa garantir uma velhice sossegada».
O chefe do Governo, na réplica, tentando uma vez mais ignorar o óbvio – as dificuldades reais dos portugueses mais idosos – , refugiou-se no auto-elogio, afirmando-se muito satisfeito com as «políticas sociais» do seu governo e por, «com coragem», ter «transformado a segurança social pública numa segurança social mais forte». E escudando-se na retórica habitual com que mistifica a realidade e deforma a posição dos adversários, à falta de argumentos, voltou a falsear as posições do PCP, acusando-o, nesta matéria, de fazer parte da «esquerda que não quer mudar nada, que se recusa a ver a realidade».


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