As cerejas e o bolo

Jorge Cordeiro
As movimentações de Alegre no seio do PS e as declarações de Carlos César, presidente do governo regional dos Açores, de critica a aspectos da política do actual Governo dificilmente podem ser lidas à margem das noticias que dão conta da decisão do PS e do primeiro-ministro de ensaiar um novo discurso destinado a recuperar eleitorado à esquerda. Razão maior da manobra, não um qualquer e súbito reconhecimento das erradas políticas que prossegue mas tão só o de procurar prevenir a pressentida erosão eleitoral que lhes pode comprometer a maioria. Pelo que o ensaiado novo discurso de José Sócrates, agora pré-anunciado pela comunicação social, ou as necessárias «correcções ao nível da linguagem» (nas palavras de uma fonte parlamentar) são indissociáveis da proximidade de novos actos eleitorais, a começar pelas regionais nos Açores, e das ambições de poder. Movidas seguramente por objectivos e interesses diversos, as declarações de Alegre e César são em si testemunho das dificuldades do PS face ao alargamento da luta e ao isolamento político e social do governo. E uma esforçada contribuição, de cada um à sua maneira, para resgatar o PS – e com ele as políticas que no essencial prossegue – do atoleiro que ameaça as suas posições e domínio.
Conhecidas que são as práticas e conteúdos da acção governativa de César nos Açores, em tudo decalcadas do que de pior o governo da República tem revelado, e os repetidos jogos de palavras a que Alegre habituou o país, sem que daí decorra nada de mais relevante do que um enfeite verbal de «esquerda» na substância da prática política do PS, ilusão seria ver aí mais do que em rigor deve ser visto, sob pena de se alimentar um equívoco destinado a salvar o essencial das políticas de direita. Registada que fica a ensaiada manobra de César para se distanciar do que de mais negativo pode resultar do indispensável juízo dos açoreanos sobre a política do PS e o vozear de Alegre, cerejas, até prova em contrário, no cimo do bolo das políticas de direita, releve-se o mais importante – o papel da luta e do protesto nas acomodações tácticas de uma maioria que só por aí pode ser derrotada.


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