América Latina em notas

Pedro Campos
1. Apesar de todos os esforços em sentido contrário por parte do presidente da Colômbia – aluno obediente de Bush –, Hugo Chávez conseguiu uma importante vitória de dimensão internacional com a libertação da Consuelo González e de Clara Rojas, retidas pelas FARC desde há alguns anos. A acção humanitária deu-se a 10 de Janeiro mas estava programada para antes do final de 2007. Por que foi adiada?
A resposta é dada por Clara Rojas: «A presença militar no ponto (de encontro) era o que impedia a operação. A nossa vida estava em perigo», declarou à imprensa venezuelana. Consuelo González confirmou a versão afirmando que os helicópteros (do governo de Uribe) sobrevoavam constantemente a zona, verdade que as autoridades colombianas se negam a admitir.
2. Na sequência desta operação, que confirma a possibilidade de avançar pela via da negociação para resolver o conflito colombiano, Hugo Chávez pediu que se deixe de classificar as FARC e o ENL como forças terroristas, uma proposta que sacudiu muita gente. Trata-te, como é óbvio, de algo de difícil aceitação por parte de Uribe. As primeiras guerrilhas na Colômbia surgiram em 1950 e até Setembro de 2001 nunca foram consideradas «terroristas». Que sucedeu a partir dessa data? George Bush desencadeou a sua guerra contra o terrorismo e o seu capataz colombiano pediu que fossem reclassificadas como «terroristas».
3. Viajemos até Fevereiro de 2001. Para enorme raiva da reacção colombiana, Manuel Marulanda, líder histórico das FARC, recebeu um «medalhão de paz». De um lado tinha imagens religiosas e do outro uma inscrição em latim: «Na Verdade está a Paz». Quem entregou o medalhão ao chefe guerrilheiro foi Andrés Pastrana, presidente colombiano. Interessante, mas não é tudo. Pastrana fê-lo a pedido de... João Paulo II!!! O Papa a enviar presentes a «terroristas» de esquerda?
4. A hierarquia da igreja colombiana não achou piada. Em simultâneo, o arcebispo de Cali denunciou que as guerrilhas eram «hordas sanguinárias fratricidas» e o seu homólogo de Bogotá, agora cardeal, garantiu que a guerrilha efectua «acções diabólicas que é necessário parar de imediato». Mas há padres e padres. Oliverio Medina, sacerdote das FARC declarou que Cuba é «a prova de que o capitalismo não é a panaceia para a humanidade, mas sim o socialismo. Cuba é como uma irmã que brilha com luz própria, digo-o porque vivi em Cuba»[1].
5. Será possível um acordo de pacificação na Colômbia? É indispensável, mas as experiências prévias não são boas e com Uribe as perspectivas não parecem ser melhores. Em 1982, outro presidente colombiano, Belisario Betancourt, iniciou um processo de conversações que, dois anos mais tarde, levou Manuel Marulanda a assinar um cessar-fogo e à libertação de vários sequestrados. Em troca, o governo comprometia-se a respeitar a vida legal de uma nova organização política: a União Patriótica, expressão civil das FARC. Não foi necessário passar muito tempo para ver que tudo terminou numa chacina. Os paramilitares e os sectores mais reaccionários das forças armadas colombianas fizeram o que melhor sabem fazer: fizeram desaparecer centenas de militantes da União Patriótica e assassinaram 1300 dirigentes, segundo a Comissão dos Direitos Humanos. Estes tempos uribistas não parecem oferecer melhores garantias.
6. Uribe iniciou o seu primeiro período presidencial em 2002. Depois de reformar a Constituição, obteve um segundo período presidencial e já pensa numa nova reforma para terceiro mandato. Já se ouviu os média internacionais dizer que Uribe quer eternizar-se no poder? Parece que alguns podem ser reeleitos sucessivamente sem que a democracia se ofenda. Outros não, mesmo que o povo tenha a opção de convocar um referendo revogatório, opção que não existe noutros países.
Entretanto, sabe o leitor quantos foram os jornalistas assassinados – nem vale a pena falar dos que tiveram de fugir do país por motivos políticos – entre 1993 e 2002? Um total de 1300 e só dois casos foram judicialmente esclarecidos. A situação actual não é melhor. No ranking da insuspeita organização Jornalistas Sem Fronteiras, a Colômbia aparece na posição 126 [2] num total de 169 países. Curiosamente, os «campeões» da democracia – Estados Unidos – aparecem em 48.º lugar. Só em 2007, na Colômbia, segundo a mesma organização [3], foram assassinados três jornalistas e outros 10 ameaçados de morte. Entretanto, na Venezuela também houve um jornalista morto: era bolivariano.


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[1] http://ar.geocities.com/verdadunica/2001/tiro_fijo.html
[2] http://www.rsf.org/article.php3?id_article=24035
[3] http://www.rsf.org/rubrique.php3?id_rubrique=668


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