«Buraco negro»

Carlos Gonçalves
Há um mês, ainda sob o impacto da extraordinária manifestação de 18 de Outubro, o inevitável Manuel Alegre veio a terreiro, na recorrente e rendosa postura de «o Leopardo» de Lampeduza dizer o que é necessário mudar no PS para que tudo fique na mesma. E voltou a vetusta dissertação sem saída – «há um buraco negro na esquerda, que passa pela ausência de uma sensibilidade de esquerda visível no PS».
E explicava aos incautos que ainda não entenderam o seu papel de «alibi de esquerda» a todas as políticas de direita do PS – «era bom que houvesse um despertar das consciências no PS». Dias depois cumpriu o ritual anual da hipocrisia votando a favor deste inaceitável OE neoliberal, com a declaração de voto do costume.
O «bom exemplo» fez o seu caminho e eis Mário Soares, uma mão por cima outra por baixo do Governo – Sócrates é «um patriota», «está a pensar que está a fazer um grande serviço ao país», mas «deve ter preocupações, a partir de agora, com o mundo do trabalho», «gostaria que o PS se voltasse um bocadinho mais para a esquerda».
Dada a táctica, e porque na central de comando do Governo é grande a preocupação com o dia seguinte ao espectáculo dos eventos comunitários, face à erosão da base de apoio e ao crescendo da luta dos trabalhadores e do povo contra esta política, aí estão as receitas recorrentes de todos os governos da política de direita nestas situações.
Retoca-se a imagem, exagera-se ao absurdo as «vitórias» internacionais, produz-se a entrevista ao El Pais com um Sócrates sobre-humano, põe-se a correr a «lebre» da remodelação passa-culpas e encena-se a digressão dialogante com as «bases» – seja lá isso o que for em tempo de (quase) unanimismo tachista no PS/Sócrates.
Mas a política de direita do Governo essa continua sem retoque que lhe valha: é o «tratado reformador» que desgraça os interesses nacionais, o «acordo europeu» da flexigurança que declara guerra aos trabalhadores, o acordo com o PSD em leis eleitorais antidemocráticas e o delírio anticomunista face à denúncia da perversão da democracia.
Este sim é o «buraco negro» das políticas de direita do PS/Sócrates, que aprisiona cometas tipo Manuel Alegre e outros que tais e que coloca uma única alternativa – o reforço do PCP e uma nova política para Portugal.


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