A estratégia do saco de plástico

Anabela Fino
Na mesma altura em que o espírito de Lisboa pairava na cabecinha pensadora de Sócrates como forma airosa de dar a volta ao texto de uma cimeira que se pautou por muita parra e pouca uva, que é como quem diz «a montanha pariu um rato» daqueles bem pequeninos, na mesma altura, dizia, os portugueses tomavam conhecimento de uma panóplia de «notícias», dadas como certas de manhã e desmentidas à noite, tendo como traço comum o anúncio de um novo assalto à carteira dos contribuintes, a pretexto da agora muito em moda «defesa do ambiente».
Da inovação tecnológica que permite a leitura à distância do consumo da electricidade, a pagar pelos contribuintes e a configurar já nova leva de despedimentos, à taxa sobre os sacos de plástico dos supermercados que há décadas somos compelidos a usar como veículos da publicidade gratuita das grandes superfícies comerciais, não faltou motivo para susto e muito sentimento de culpa.
O planeta está doente, dizem-nos, e a culpa é nossa, dos consumidores, que deixámos de forrar os baldes do lixo com jornais – sabe quantas árvores é preciso abater para fazer uma bobine de papel?, perguntaram então – e passámos a usar os sacos de plástico com que nos inundaram os mesmos que hoje vêm dizer o que sempre se soube, ou seja, que o produto demora anos e anos a desfazer-se.
A solução do problema, diz-se, está na taxa dos sacos, o que significa que quem tem dinheiro vai continuar a usá-los (e a poluir, pois então!), e os outros recuperam a alcofa, o saco de pano e outros recipientes afins, até que alguém se lembre de vir dizer que afinal também devem ser taxados porque o mundo não se aguenta de pé com tanto achaque.
Salvaguardadas as devidas proporções, é o que está a acontecer em Bali, em mais uma cimeira do ambiente, em que o maior poluidor do mundo – os EUA – se recusa a assumir compromissos mas debita medidas para os restantes países cumprirem à risca, deixando-lhes como alternativa venderem quotas de poluição e pagarem aos desenvolvidos a tecnologia poluidora de que necessitam para se desenvolverem.
É a estratégia do saco de plástico à escala global. A bem do planeta e do capitalismo.


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