O poeta da Revolução de Abril

José Casanova (Membro da Comissão Política)
À passagem de mais um aniversário da data de nascimento de José Carlos Ary dos Santos, lembramos o Poeta da Revolução de Abril – assim gostava o Zé Carlos de ser reconhecido e como tal ficará justamente conhecido.

Nos seus poemas escritos nesse tempo luminoso, encontramos a história da Revolução:

Muitas vezes o temos dito e escrito – e muitas mais vezes o diremos e escreveremos: José Carlos Ary dos Santos é o exemplo do intelectual que tomou partido: que fez a sua clara e inequívoca opção política e de classe; que foi artífice exemplar da colocação da intervenção cultural ao serviço da luta revolucionária; que soube encontrar e ocupar o seu posto de militante do Partido da classe operária e de todos os trabalhadores; que integrou o grande colectivo partidário comunista, com a consciência do papel insubstituível do PCP na sociedade portuguesa; que aprendeu e ensinou que «o Partido que temos é melhor».
Na sua intensa e contínua intervenção militante, o Zé Carlos utilizou as poderosas armas de que dispunha: o seu talento notável, a sua imensa capacidade de – numa identificação profunda com os anseios e aspirações dos trabalhadores e do povo e com rara sensibilidade poética e política – dizer em cada momento, com coragem e rigor cirúrgico, as palavras necessárias.
Ele foi, entre muitos outros, um poeta da resistência, desde cedo dizendo «não!» ao fascismo opressor e repressivo e fazendo da liberdade e da democracia suas bandeiras de luta.
Por isso, no dia em que «Abril abriu/as portas da claridade/e a nossa gente invadiu/a sua própria cidade», ele sabia que aquele era o nosso dia – dia conquistado com muitas lutas, muitos esforços, muita entrega, muita abnegação, muita coragem. Ele sabia desse dia que, «quem o fez era soldado/homem novo capitão/mas também tinha a seu lado/muitos homens na prisão/Esses que tinham lutado/a defender um irmão/esses que tinham passado/o horror da solidão/esses que tinham jurado/sobre uma côdea de pão/ver o homem libertado/do terror da opressão.»

Uma referência indelével

Ary integrou em pleno o grande movimento revolucionário de massas que na sequência do Dia da Liberdade, liquidou o regime fascista e iniciou a construção de uma democracia avançada, num processo revolucionário que em pouco mais de um ano mudou radicalmente o País e constituiu o momento maior e de maior modernidade da História de Portugal.
Nos seus poemas escritos nesse tempo luminoso, encontramos a história da Revolução: o dia a dia dos exaltantes avanços revolucionários; a certeira valorização do papel da classe operária, do seu Partido de vanguarda e da força organizada dos trabalhadores; a festa da luta e das conquistas através dela alcançadas; a denúncia da ofensiva contra-revolucionária levada a cabo pelas forças do passado e a resistência comunista a essa ofensiva; a sinalização amarga dos recuos e derrotas, logo iluminada pelo incentivo à luta e pela confiança na acção das massas trabalhadoras; as alegrias e as tristezas, a confiança e a certeza dos que transportam consigo as sementes do futuro porque nunca se cansam de lutar e, como ele, lutam toda a vida – e, por isso, são imprescindíveis.
O Zé Carlos é uma referência indelével para todos quantos o conheceram. Mas não só: também as jovens gerações – especialmente as jovens gerações de comunistas – ao tomarem contacto com o Poeta, ficam presos à força da sua poesia, à força arrebatadora da sua voz e à fraternidade que dela emana, à verticalidade da sua postura de militante comunista.
A sua participação na luta foi sempre sustentada naquela confiança feita da consciência das dificuldades e dos obstáculos com que todos os dias deparamos e, simultaneamente, com uma imensa confiança em que o Partido e a força organizada dos trabalhadores, superariam essas dificuldades e obstáculos em todas as circunstâncias: «Isto vai, meus amigos, isto vai» - confiava ele, incitando à luta, fazendo da poesia arma de intervenção política.
E a luta continua. Agora, enfrentando a política contra-revolucionária e anti-Abril que há 31 anos vem tentando fechar todas «as portas que Abril abriu» – e que, com o actual governo, em afrontoso desrespeito pela Constituição da República Portuguesa, atinge graus extremos de desprezo pelos direitos dos trabalhadores, pelas liberdades, direitos e garantias dos cidadãos, pela soberania e independência nacional. Uma política que a luta derrotará, impondo uma alternativa de esquerda que tenha em Abril a sua referência fundamental.
E os poemas do Zé Carlos, porque são poemas de sempre, participam na nossa luta de hoje, como o fizeram ontem, como o farão amanhã.


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