A pérola

Anabela Fino
Depois da frase lapidar – porreiro, pá – com que Sócrates e Barroso saudaram o «Tratado de Lisboa», o primeiro-ministro voou para Estrasburgo para explicar aos eurodeputados os motivos do entusiasmo. Perante a distinta assembleia, de acordo com o despacho da Lusa, Sócrates optou por um léxico mais cuidado, coibindo-se de usar frases do tipo «o tratado é fixe, pá», mas não teve pejo de subir a fasquia da excitação e foi ao ponto de afirmar que o texto, a ser assinado a 13 de Dezembro, «resolve a crise do passado e coloca a Europa com os olhos no futuro».
Temos pois que a dona Europa, na sua versão lince da Malcata, com a cauda a abanar em Lisboa, patas firmadas de Madrid a Bona e de Londres a Roma, e o focinho apontado aos Urais, não só sacudiu a crise como quem sacode as pulgas, como ainda por cima está pronta a pegar o futuro pelos cornos, expressão vernácula que não desdoura ao lado do porreiro, pá.
Para que não haja dúvidas para onde é que a Europa olha, Sócrates garantiu ainda que a dita saiu de Lisboa «mais forte, para enfrentar as questões globais, para assumir o seu papel no mundo, e porque deu um sinal de confiança à economia e cidadãos europeus».
Sendo a coisa assim tão boa, tão fresca, tão promissora, só não se percebe porque é que Sócrates e o seu governo, tal como os restantes governos da democrática Europa com (quase) todos, estão tão renitentes em submeter o «Tratado de Lisboa» a referendo, ou seja, ao escrutínio popular.
O ministro Luís Amado, em entrevista ao Rádio Clube Português, citada pelo DN de 23 de Outubro, terá começado a levantar a ponta do véu ao afirmar que «os tratados são, de uma maneira geral, muito complexos», «difíceis de apreender em termos de uma simples pergunta ao eleitor», pelo que... Está claro que a questão de haver ou não referendo não tem nada a ver com a possibilidade de o «Tratado» ser rejeitado, como sucedeu no passado. A simples ideia é absurda. Parece que é mais uma questão de compreensão, não sei se estão a entender. É que os europeus em geral, tirando os seus preclaros governantes, são ainda um bocadinho lerdos, pelo que podem não apreciar a pérola do nacional-porreirismo.


Mais artigos de: Opinião

Vergonha!? A hipocrisia anda à solta!

O Instituto Nacional de Estatística (INE) deu a conhecer o que já se sabia e se vê à vista desarmada no País: a pobreza tem vindo a aumentar e os pobres já ultrapassam os dois milhões, quase 20% da população portuguesa, e destes 1,4 milhões, ou seja 13% da população, vivem com um rendimento abaixo dos 300 euros.

Bolívia, a conspiração confessa-se

Jorge Quiroga chefia o partido de direita Podemos (Poder Democrático e Social), principal força da oposição ao actual governo progressista boliviano de Evo Morales. O homem que se arvora agora em paladino do Estado de direito e das liberdades, inimigo assumido da polarização ideológica esquerda/direita e neófito do...

O boicote

Duzentas mil pessoas na rua em protesto contra um Governo é avassalador, seja em Washington ou Tegucigalpa, em Paris ou Cochabamba. Se essas 200 mil pessoas forem essencialmente trabalhadores e a manifestação se realizar em Lisboa - num País com 10 milhões de habitantes, dos quais cinco milhões e meio são população...

Apertadamente

Duas notícias, com pouco tempo de intervalo – por isso tentadoras para que as junte num mesmo comentário – vieram a lume nos media no princípio da semana, e são mais esclarecedoras que um discurso de Sócrates. Por um lado, o Diário de Notícias de segunda-feira revela: «PJ perde num ano 84 inspectores». E, mais adiante,...

«Porreiro, pá!»

A sensação de dever cumprido por parte de Sócrates e Barroso na madrugada de 19 de Outubro, foi selada por uma lusa expressão do primeiro no final da conferência de imprensa sobre o novo tratado europeu. Convenhamos que não é para menos. Sócrates e Barroso, actual e antigo primeiro-ministro têm razões de sobra para se...