O sorriso do Dalai

Luís Carapinha
Entre nós esteve, durante vários dias, o Dalai Lama. Foi o próprio a explicar: «A minha visita não é política, é espiritual e para dar ensinamentos. Às vezes tenho uma agenda política – em Bruxelas ou em Washington – mas aqui vim com o meu sorriso.» (Público, 13.09.07). Mas tal como acontecera na sua última estadia, em 2001, o líder budista gozou de uma vastíssima e privilegiada cobertura na comunicação social. E de facto, o que veio à tona da água nesta sua passagem, para lá do cultivado ambiente místico e da ladainha em torno da defesa dos «direitos humanos», da «não-violência» e da «espiritualidade», foi mais uma ocasião sublime para manter viva a estafada «causa do Tibete» e alimentar a campanha anti-China, tal como ela hoje se perfila internacionalmente a partir dos grandes centros de decisão. Ocasião aproveitada até ao tutano pela corte mediática lusa e toda uma classe política, desde a direita a uma esquerda light de «múltiplas causas», para dar largas à «causa única» do anticomunismo, recorrendo à mentira e desinformação e ao pleno exercício do oportunismo e desonestidade políticas.

Sobre o Tibete, importaria, pois, recordar, neste tempo em que a política de dois pesos e duas medidas é norma e a subversão do direito internacional tenta fazer lei, que se trata de uma região autónoma no seio da China, da qual faz parte há 700 anos. Assim aparecia já nos relatos de viagem de Marco Polo e assim era aquando da proclamação da República por Sun Yat-sen, em 1912. Aliás, nunca, desde o séc. XIII, nenhum Estado do mundo reconheceu o Tibete como Estado independente. Outra coisa será, na linha das invasões britânicas fracassadas de 1888 e 1903 e do ulterior apoio das potências imperialistas ao movimento separatista estimulado entre os lamas e nobres tibetanos, a utilização do movimento separatista e da questão do Tibete para combater a revolução chinesa e impedir a reunificação do país. São os tempos em que a reacção tibetana fundava, com o apoio da CIA, o “Exército de Defesa da Religião”, desencadeando a guerra de 1959-61. Uma guerra civil que opôs as classes empenhadas na preservação do brutal regime teocrático-feudal então vigente, apoiadas pelo imperialismo interessado na divisão da China, às forças do governo popular e dos monges, nobres, escravos e servos comprometidos com a unidade da China e a reforma democrática do Tibete. Poucos dos que escutaram o Dalai Lama no Pavilhão Atlântico saberão que em 1959 os lamas da camada superior e os nobres leigos e seus agentes representavam apenas 5% da população do Tibete, enquanto os servos e escravos correspondiam a 95%. É claro que hoje o Dalai Lama sacode as sombras do passado, negando o regresso ao Tibete antigo, e dizendo mesmo não querer – para mágoa dos seguidores mais incondicionais – a sua independência.

Não nos iludamos, porém. O velho cordão umbilical que o une ao imperialismo mantém-se. A melíflua agenda política do Dalai Lama prosseguirá dentro de momentos. Para já na Alemanha onde se reúne dia 23 com Merkel. Certamente em prol do «respeito pelas regras do jogo internacional». E da política de contenção da China, nas suas múltiplas cambiantes, da venda de armas a Taiwan pelos EUA à manipulação das preocupações ambientais. Porque se o mercado do império do meio oferece hoje mais- valias irrecusáveis ao grande capital, a verdade é que a afirmação da China soberana e do seu papel no mundo assustam muito.


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