Factor de contenção

Luís Carapinha

A OCX tem vindo paulatinamente a afirmar-se como força de contenção

Realizou-se dia 16, em Bishkek, capital do Quirguistão, a cimeira anual de chefes de Estado da Organização de Cooperação de Xangai (OCX). A reunião do antigo Grupo de Xangai, formado em 1996 como organização de boa vizinhança e cooperação, que hoje integra a China, Rússia e quatro ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central – Irão, Índia e Paquistão possuem estatuto de observador –, acontece numa altura em que se adensam as incertezas e ameaças no plano internacional.
No Iraque, a resistência à ocupação levou ao pântano a sangrenta intervenção imperialista, colocando num impasse a estratégia e objectivos dos EUA consignados no megalómano plano do Grande Médio Oriente. A situação encaminha-se pelo mesmo diapasão no Afeganistão. No Paquistão o desgaste de Musharraf inquieta os EUA. Ao mesmo tempo, a Casa Branca insiste na via militarista. Para 2008, o projecto de orçamento da Defesa, incluindo os fundos adicionais para a guerra, supera os 700 mil milhões de dólares, um novo recorde absoluto. À escala global, Washington avança com o projecto ofensivo do sistema antimíssil na Europa (com a NATO/UE) e região da Ásia-Pacífico (com o Japão).

Não se apresentando como um bloco militar, a OCX tem vindo paulatinamente a afirmar-se como força de contenção impossível de ignorar, perante a agenda expansionista do imperialismo na região euro-asiática e, em particular, na Ásia Central. É um facto sintomático, após a cimeira, a presença nos Urais dos seus chefes de Estado, no encerramento dos exercícios militares que pela primeira vez reuniram tropas dos seis países da OCX. Pútin aproveitou a ocasião para anunciar o regresso das missões da aviação estratégica russa, abandonadas em 1992 após a desagregação da URSS, mas que os EUA sempre mantiveram.
A diplomática «Declaração de Bishkek» não deixa de fazer referência ao «estrito respeito do direito internacional» e da carta das Nações Unidas, repudia o «unilateralismo» e a prática de «dois pesos e duas medidas» e propõe a elaboração de um acordo para impedir a colocação de armas no espaço, contrariando um objectivo que faz parte dos planos do sistema antimíssil dos EUA. O comunicado final saído da cimeira, a que também assistiu o presidente do Irão, apoia o desenvolvimento das relações da OCX com a Organização do Tratado de Defesa Colectiva (Rússia e seis outras ex-repúblicas soviéticas). E defende um maior envolvimento da OCX no Afeganistão, que a Rússia diz ser um narcoestado, com o narcotráfico a ser responsável por 50% do PIB. Tudo motivos de alarme para Washington e Londres.

Os observadores destacam o papel cimeiro da China na OCX e o aprofundamento da relação China-Rússia em múltiplas esferas, incluindo a energética e militar. Os dois países encerraram o antigo diferendo fronteiriço e as suas relações são as melhores das últimas décadas. O facto inquieta os EUA que não deixarão de explorar todo o leque de contradições e contrapesos, numa situação bem distinta da Guerra Fria. A restauração capitalista e concentração oligárquica é hoje uma realidade na generalidade do espaço pós-soviético. Na China, o impressionante ritmo de crescimento fez-se acompanhar pelo aumento acentuado das desigualdades. Mas a importância da “contenção” da superpotência imperialista e a rearrumação de forças em curso também abrem possibilidades à luta emancipadora de trabalhadores e povos, a força motriz que faz avançar a roda da História.


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