Imaginemos

Henrique Custódio
Imaginemos que, na sequência dos resultados para as eleições intercalares de Lisboa no passado dia 15 de Julho, o Presidente da República começava por declarar um «impasse» devido ao facto de o PS de António Costa ter obtido apenas uma maioria relativa e uns escassos seis vereadores, longe dos nove indispensáveis para uma maioria absoluta e a uma distância abissal dos 17 que compõem o total do executivo camarário.
Era flagrantemente ilegal – a lei eleitoral portuguesa é taxativa a indicar que o cabeça de lista da formação mais votada deve chefiar e constituir o futuro executivo – mas estamos numa suposição.
De seguida, o Presidente Cavaco Silva aponta a «necessidade» de se conseguir um «entendimento democrático» que solucione o problema.
É então que Carmona Rodrigues, com os seus três vereadores, giza o tal «entendimento democrático» com o PSD (que «em nome de Lisboa» esquece os desaguisados recentes com o seu ex-candidato e contribui com três eleitos), com Helena Roseta (que «em nome dos cidadãos» e em memória da desfeita que o PS lhe fez acrescenta os seus dois lugares) e com Sá Fernandes, do Bloco de Esquerda (que, «em nome dos lisboetas que acharam que o Zé faz falta», arrematou a jogada).
É claro que o PCP ficou de fora deste arranjinho, mas isso é o costume: os comunistas querem-se bem longe, para os conluios andarem sobre rodas.
Portanto, assim do pé para a mão, eis uma robusta maioria de nove eleitos resultante de uma «ampla coligação». Isso mesmo assinala e enaltece o Presidente da República, Cavaco Silva, quando anuncia ao País a formação de um novo executivo camarário para Lisboa tendo Carmona Rodrigues como novo presidente.
Eis também, assim num repente, o responsável máximo por um executivo PSD que desabou fragorosamente soterrado de escândalos, a voltar ao poder depois de ter descido de oito para três mandatos e sofrido uma derrota clamorosa.
Eis ainda, em contrapartida, um PS vitorioso, que subiu para seis mandatos a sua representação na câmara de Lisboa, a ver-se repentinamente desapossado da presidência e expulso do poder.
É evidente que se isto ocorresse aqui e agora, em Portugal, o País levantar-se-ia em peso e todos os órgãos de comunicação social, sem excepção, demonstrariam a mil vozes que se dera um golpe de Estado constitucional.
Felizmente que nada disto aconteceu com Lisboa, onde os bons costumes democráticos continuam devidamente alinhados.
Apenas aconteceu em Timor-Leste onde, no descontraído e generalizado dizer da comunicação social portuguesa - e em consonância com o que o imperialismo afirma dos EUA à Austrália -, a Fretilin simplesmente «foi derrotada» pelo Nobel da Paz Ramos Horta, agora distinto Presidente do jovem país, isto apesar de ter ganhado as eleições legislativas com a tal maioria relativa. Entretanto Xanana Gusmão, esse «grande líder» que se alcandorou a «herói da resistência» colaborando na prisão com o opressor indonésio, é nomeado primeiro-ministro pelo amigo Ramos Horta apesar de ter perdido as eleições, à frente de uma «coligação» de insignificâncias eleitorais unidos pela obsessão comum de destruir a Fretilin, a indiscutível força vencedora que foi assim liminarmente afastada do poder.
Como isto se passa em Timor, parece que é tudo perfeitamente normal. Para os nossos ilustres democratas – do Governo a quem o apoia na Informação -, as regras democráticas são para se respeitar, mas só quando isso convém...


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