A vaia

Henrique Custódio
José Sócrates foi brindado no passado sábado com uma monumental vaia. Foi no Estádio da Luz, onde uma enorme multidão de famílias enchera o vasto recinto para assistir à eleição das novas «Sete Maravilhas do Mundo», num espectáculo ao vivo transmitido para o planeta inteiro.
E isto faz a sua diferença.
Desta vez não houve sindicatos a mobilizar manifestantes, partidos a «aproveitar politicamente» o acontecimento, «grupos organizados» a «perturbar a ordem pública» ou «os agitadores do costume» a atacar o Governo, como usa propagandear a retórica governamental, quando pretende exibir uma suposta indiferença ao protesto popular contra a sua política (aliás, técnica velha e relha dos Governos PS e PSD – iguais como duas gotas de água, benza-os Deus -, o que tem a curiosa originalidade de, muito democraticamente, fingir que são nulos quaisquer protestos ou reivindicações vindos dos trabalhadores sob pretexto de que são «politizados», quando não mesmo «partidarizados», ó escândalo! – isto como se os partidos já não tivessem o direito de contestar as políticas governamentais e as políticas governamentais não fossem, elas próprias, sempre intrinsecamente políticas e «politizadas»...).
Desta vez, a imensa multidão abarrotava com pacatas famílias que se tinham deslocado ao Estádio da Luz atrás de um espectáculo que a propaganda entronizara como acontecimento de dimensão planetária, apurado com uns temperos nacionalistas proporcionados pela eleição paralela das «Sete Maravilhas de Portugal».
Daí que a gigantesca, ensurdecedora e prolongadíssima vaia que rebentou, mal surgiu nos ecrãs do Estádio a figura do Primeiro-Ministro José Sócrates, nem pelo batalhão de assessores e «gabinetes de comunicação» pagos a peso de ouro pelo Governo pode ser transmutada em bagatela cerzida por «agitadores».
Aquele imenso clamor - que a reportagem do Público assinala dizendo que «a maior ovação da noite de ontem no Estádio da Luz foi, afinal, uma vaia monumental... a José Sócrates» - emergiu, nítido e flagrante, de uma multidão heterogénea onde imperavam as famílias. Na reportagem do Diário de Notícias pormenorizava-se até que muitos milhares, vindos de todo o lado, «traziam os filhos, os avós e até um farnel para suportar a espera».
Por definição, o País está aqui representado, o que torna mais relevante a gigantesca assobiadela que também mimoseou a apresentação da Estátua da Liberdade como candidata dos EUA às «Sete Maravilhas», emparceirando Sócrates e Bush nas críticas demolidoras.
Ora nem um recordista em licenciaturas como José Sócrates conseguirá tornear isto, e essa é que é essa.
Aliás, parece evidente que José Sócrates já se apercebeu que as críticas à sua política já rebentam por todo o lado. Por isso passou a fugir a sete pés do contacto com as multidões, como fez há uma semana em Guimarães, quando entrou pelas traseiras para escapar aos protestos dos 25 mil trabalhadores que o esperavam à entrada da reunião com os ministros do Trabalho da UE, ou repetiu há dias na inauguração da Ponte da Lezíria, que realizou entre centenas de reverentes convidados, apertando a mão a campinos e mandando a polícia travar, lá longe, o povo e os manifestantes de Alenquer.
Só lhe falta perceber que nem o policiamento pidesco que pretende reimplantar no País o preservará no poder.
A vaia da Luz já lhe deu um lamiré.


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