Descaradas confissões
Eis que, depois de Sarkozy ter assegurado aos franceses que o projecto de «constituição europeia» estava posto de lado, Alain Lamassoure, apresentado como seu «conselheiro para os assuntos europeus», veio esclarecer o que tal afirmação afinal significa. Apesar da sua extensão, vale a pena transcrever alguns dos excertos da entrevista que deu(1), onde, dada a sua clareza, põe a nu a tentativa de manipulação em curso.
Lamassoure explica assim o que se pretende com a actual proposta de um dito «tratado simplificado» font color=0069dd>(2): «...adoptamos como base, e única base, o projecto de tratado constitucional. Comparamo-lo com o Tratado de Nice, e trabalhamos com um par de tesouras. Deste modo, não se modifica nem se acrescenta nada na redacção. Retiro do projecto de constituição todos os artigos que não representam uma novidade jurídica... relativamente ao Tratado de Nice. Concretamente, isto significa que três quartos dos artigos da terceira parte [da dita «constituição»] podem ser abandonados. Nesta terceira parte há duas dezenas de artigos que representam uma novidade jurídica; aquelas que prevêem a lista de matérias onde se passa da unanimidade para a maioria qualificada, que precisam as funções do ministro de Assuntos Externos da União, que se referem à Agência Europeia de Defesa [leia-se de armamento], etc.»
Quanto à segunda parte font color=0069dd>(3), Lamassoure explica como é: «...a segunda parte: Carta dos Direitos Fundamentais, sessenta artigos. Se queremos um tratado ordinário, é melhor que os direitos da pessoa humana não figurem - trata-se de um elemento que contribui para dar um carácter constitucional ao tratado de 2004. É suficiente existir um artigo de referência, do género: "A União reconhece e respeita a Carta dos Direitos Fundamentais adoptada pelo Conselho Europeu em Nice, a 7 de Dezembro de 2000". Eliminamos, assim, cinquenta e nove artigos duma vez só» [carta que representa um recuo nos direitos, por exemplo, face aos consagrados na Constituição portuguesa].
Entusiasmado, Lamassoure continua: «...resta a primeira parte, sessenta artigos. Aqui também podemos cortar, eliminando os artigos que foram introduzidos pela Convenção para clarificar a apresentação da União Europeia. Uma vez feito isto - e evidentemente mudando o vocabulário para suprimir em todo o lado a palavra “constituição” -, ficamos com 120 a 130 artigos, em vez de 448, e um tratado ordinário, que pode ser submetido a ratificação pelo parlamento nacional...» (!...). E à laia de conclusão, afirma: «...observo que os principais parceiros com quem começámos a falar, é minha convicção, vêem as coisas duma forma bem próxima da nossa».
Mas, e se não houver consenso face a estas intenções? Lamassoure não hesita: «...a nossa análise é de que podemos aplicar uma geometria variável, ou vanguarda, para além das cooperações reforçadas, sobre todas as competências que se somam ao mercado interno. Mas não o podemos fazer no que se refere às instituições e ao modo de decisão... Os que livremente não querem avançar devem poder dizer aos outros que avancem sem eles...».
Isto é...
O que pretende Sarkozy, nas palavras do seu «conselheiro», é tão só voltar a apresentar o essencial da proposta de tratado anteriormente rejeitado, designadamente pelo seu próprio povo, realizando uma operação de «cosmética» e travestindo-o de «tratado simplificado».
Para os que se recusam a acreditar que a desfaçatez possa chegar ao ponto de se tentar passar por cima da vontade de um povo desta maneira, leiamos as palavras de Ernest-Antoine Seillère, presidente da Businesseurope, a confederação do grande patronato na Europa (4)(2): «... Nos meios europeus, estávamos convencidos de que, se Ségolène Royal chegasse ao poder com a sua proposta de um novo referendo em França, seria o fim do processo de relançamento [da dita «constituição europeia»]. Assim, a abordagem de Nicolas Sarkozy é muito próxima da de Angela Merkel, de Tony Blair e dos holandeses. Ele pode dar o sinal claro do relançamento. Deste ponto de vista, a sua eleição foi um verdadeiro alívio...».
Ou seja, temendo uma crescente consciência por parte dos trabalhadores e dos diferentes povos quanto ao real carácter de classe, objectivos e consequências das políticas da UE, as forças e interesses que estão na génese da integração capitalista europeia procuram evitar a sua legítima expressão, fugindo à realização de referendos nos diferentes países e procurando negociar, como refere o ministro dos Negócios Estrangeiros português, «com serenidade e sem mais ruído»(5).
(1) In "Le Soir", 10 de Maio de 2007
(2) A tradução possível, para a qual peço a vossa compreensão...
(3) A rejeitada proposta da dita "constituição europeia" dividia-se por quatro partes: PARTE I (entre outros aspectos: definição e objectivos da UE, cidadania, competências e seu exercício, instituições e órgãos, orçamento, elegibilidade, sanções e saída); PARTE II (Carta dos direitos fundamentais); PARTE III (Políticas e funcionamento da UE) e PARTE IV (disposições finais e gerais)
(4) In"Le Monde", 14 de Maio de 2007
(5) In DN, 16 de Maio de 2007
Lamassoure explica assim o que se pretende com a actual proposta de um dito «tratado simplificado» font color=0069dd>(2): «...adoptamos como base, e única base, o projecto de tratado constitucional. Comparamo-lo com o Tratado de Nice, e trabalhamos com um par de tesouras. Deste modo, não se modifica nem se acrescenta nada na redacção. Retiro do projecto de constituição todos os artigos que não representam uma novidade jurídica... relativamente ao Tratado de Nice. Concretamente, isto significa que três quartos dos artigos da terceira parte [da dita «constituição»] podem ser abandonados. Nesta terceira parte há duas dezenas de artigos que representam uma novidade jurídica; aquelas que prevêem a lista de matérias onde se passa da unanimidade para a maioria qualificada, que precisam as funções do ministro de Assuntos Externos da União, que se referem à Agência Europeia de Defesa [leia-se de armamento], etc.»
Quanto à segunda parte font color=0069dd>(3), Lamassoure explica como é: «...a segunda parte: Carta dos Direitos Fundamentais, sessenta artigos. Se queremos um tratado ordinário, é melhor que os direitos da pessoa humana não figurem - trata-se de um elemento que contribui para dar um carácter constitucional ao tratado de 2004. É suficiente existir um artigo de referência, do género: "A União reconhece e respeita a Carta dos Direitos Fundamentais adoptada pelo Conselho Europeu em Nice, a 7 de Dezembro de 2000". Eliminamos, assim, cinquenta e nove artigos duma vez só» [carta que representa um recuo nos direitos, por exemplo, face aos consagrados na Constituição portuguesa].
Entusiasmado, Lamassoure continua: «...resta a primeira parte, sessenta artigos. Aqui também podemos cortar, eliminando os artigos que foram introduzidos pela Convenção para clarificar a apresentação da União Europeia. Uma vez feito isto - e evidentemente mudando o vocabulário para suprimir em todo o lado a palavra “constituição” -, ficamos com 120 a 130 artigos, em vez de 448, e um tratado ordinário, que pode ser submetido a ratificação pelo parlamento nacional...» (!...). E à laia de conclusão, afirma: «...observo que os principais parceiros com quem começámos a falar, é minha convicção, vêem as coisas duma forma bem próxima da nossa».
Mas, e se não houver consenso face a estas intenções? Lamassoure não hesita: «...a nossa análise é de que podemos aplicar uma geometria variável, ou vanguarda, para além das cooperações reforçadas, sobre todas as competências que se somam ao mercado interno. Mas não o podemos fazer no que se refere às instituições e ao modo de decisão... Os que livremente não querem avançar devem poder dizer aos outros que avancem sem eles...».
Isto é...
O que pretende Sarkozy, nas palavras do seu «conselheiro», é tão só voltar a apresentar o essencial da proposta de tratado anteriormente rejeitado, designadamente pelo seu próprio povo, realizando uma operação de «cosmética» e travestindo-o de «tratado simplificado».
Para os que se recusam a acreditar que a desfaçatez possa chegar ao ponto de se tentar passar por cima da vontade de um povo desta maneira, leiamos as palavras de Ernest-Antoine Seillère, presidente da Businesseurope, a confederação do grande patronato na Europa (4)(2): «... Nos meios europeus, estávamos convencidos de que, se Ségolène Royal chegasse ao poder com a sua proposta de um novo referendo em França, seria o fim do processo de relançamento [da dita «constituição europeia»]. Assim, a abordagem de Nicolas Sarkozy é muito próxima da de Angela Merkel, de Tony Blair e dos holandeses. Ele pode dar o sinal claro do relançamento. Deste ponto de vista, a sua eleição foi um verdadeiro alívio...».
Ou seja, temendo uma crescente consciência por parte dos trabalhadores e dos diferentes povos quanto ao real carácter de classe, objectivos e consequências das políticas da UE, as forças e interesses que estão na génese da integração capitalista europeia procuram evitar a sua legítima expressão, fugindo à realização de referendos nos diferentes países e procurando negociar, como refere o ministro dos Negócios Estrangeiros português, «com serenidade e sem mais ruído»(5).
(1) In "Le Soir", 10 de Maio de 2007
(2) A tradução possível, para a qual peço a vossa compreensão...
(3) A rejeitada proposta da dita "constituição europeia" dividia-se por quatro partes: PARTE I (entre outros aspectos: definição e objectivos da UE, cidadania, competências e seu exercício, instituições e órgãos, orçamento, elegibilidade, sanções e saída); PARTE II (Carta dos direitos fundamentais); PARTE III (Políticas e funcionamento da UE) e PARTE IV (disposições finais e gerais)
(4) In"Le Monde", 14 de Maio de 2007
(5) In DN, 16 de Maio de 2007