Comentário

Presidência e luta

Ilda Figueiredo
Para quem participa em diversas actividades comunitárias, duas questões centrais saltam para cima da mesa quando se fala de Portugal: o agravamento da situação social, com as lutas previsíveis que necessariamente desencadeia, e a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, a partir do próximo dia 1 de Julho.
Quanto à situação social, as estatísticas do Eurostat são claras: somos um dos países com maior taxa de pobreza e aquele em que é maior a desigualdade na repartição dos rendimentos.
De facto, a taxa de risco de pobreza após as transferências sociais, ou seja, a proporção de pessoas cujo rendimento disponível equivalente se situa abaixo de 60 por cento do rendimento mediano disponível equivalente após as transferências sociais, de acordo com os últimos dados conhecidos (2005), atingia 20 por cento da população portuguesa. Estes valores apenas foram ultrapassados por dois países (Lituânia e Polónia, ambos com 21%), sendo que a média comunitária dos então 25 estados-membros era de 16 por cento. Mesmo em países que só aderiram em 2004, as taxas são muito mais baixas, como na República Checa (10%), Chipre (16%), Hungria (13%), Malta (15%) e Eslováquia (13%).
Relativamente à desigualdade na repartição dos rendimentos, a situação ainda é mais dramática. Os últimos dados também disponibilizados pelo Eurostat referentes a 2005 tornam claro que a relação entre a parte do rendimento recebida pelos 20 por cento da população com rendimentos mais elevados e a parte do rendimento recebida pelos 20 por cento da população que tem os rendimentos mais baixos era 8,2 em Portugal, ou seja, a situação mais desigual de toda a União Europeia, cuja média se situava em 4,9. Registe-se que há um número significativo de países onde esta relação é muito mais baixa, demonstrando que as desigualdades são muito menores e que, portanto, as condições de vida da população são muito melhores, por haver uma distribuição mais justa do rendimento dos países em causa.
Merecem especial destaque os casos da República Checa, cuja relação é de 3,7 e da Eslováquia com 3,9 - países que aderiram apenas em 2004. Mas igualmente têm uma repartição muito mais justa do rendimento países como a França, cuja relação na referida repartição dos rendimentos é somente de quatro, a Alemanha (4,1), a Espanha (5,4), a Finlândia (3,6) e a Suécia (3,3).
Provavelmente, hoje, esta situação de gritante injustiça social em Portugal é ainda mais grave, tendo em conta o agravamento do desemprego, do trabalho precário e da contenção e diminuição dos salários reais, enquanto os lucros dos grupos económicos e financeiros continuam a disparar para níveis que rondam os 30 por cento. A que acresce o já badalado novo aumento da taxa de juros pelo Banco Central Europeu (BCE), talvez no início de Junho, situando-a em quatro por cento, e que, a concretizar-se, será o oitavo aumento desde Dezembro de 2005.
É também neste quadro que assume particular gravidade o anúncio de temas que estarão em debate durante a presidência portuguesa, com destaque para a flexigurança, e a ameaça de retoma do projecto do projecto de tratado constitucional.
Sabe-se que a estratégia de poder do directório das potências mais poderosas da União Europeia passa por encomendar a Portugal a realização de uma nova conferência intergovernamental para retocar o projecto rejeitado pelos povos da França e da Holanda, tentando evitar novos referendos e fugindo ao debate público e à opinião dos cidadãos.
Aliás, é notório como se desprezam até as opiniões dos países que consideram menos importantes. Veja-se como o presidente da Comissão, Durão Barroso, veio realizar, em Portugal, uma reunião apenas com representantes de alguns países da União Europeia, o que, justamente, provocou protestos de alguns não convidados. Ou como Sarkozy, no próprio dia em que foi empossado como novo presidente francês, rumou a Berlim para discutir com Ângela Merkel o futuro do tal novo tratado constitucional, mostrando-se adepto de um documento mais curto e mais sintético, para tentar justificar apenas uma ratificação parlamentar e, assim, fugir ao voto popular e a um novo referendo. Falta saber o papel do Governo português em toda esta situação.
Por tudo isto, a greve geral de 30 de Maio, promovida pela CGTP, assume particular importância.


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